Aspectos anatomopatológicos da leptospirose em cães
Resumo
Leptospirose é uma zoonose causada por espiroquetas do gênero Leptospira e constitui uma
das mais importantes doenças de distribuição mundial. Embora leptospirose seja reconhecidamente
uma das doenças infecciosas mais frequentemente descritas em cães, não existem critérios
morfológicos para a realização do diagnóstico definitivo com base apenas na necropsia. Assim, o
objetivo principal deste trabalho é estabelecer critérios anatomopatológicos para o diagnóstico da
leptospirose. Os arquivos de necropsia do Laboratório de Patologia Veterinária da Universidade
Federal de Santa Maria (LPV-UFSM) foram acessados e todos os casos diagnosticados como
leptospirose entre os anos de 1965 e 2011 foram revisados (n=135). Foi realizada imuno-histoquímica
para confirmação do diagnóstico definitivo apenas nos casos em que o tecido renal foi considerado
viável em quantidade e qualidade (n=79). Os casos positivos foram identificados e correspondem aos
resultados aqui demonstrados (n=53). Na necropsia, as principais lesões observadas incluíram icterícia
(79,2%) e hemorragia (75,5%), principalmente no pulmão (56,6%). Alterações macroscópicas
hepáticas (56,6%) e renais (50,9%) foram frequentes e caracterizavam-se principalmente por
descolorações (30,2% e 32,1% respectivamente), acentuação do padrão lobular hepático (26,4%) e
estriações brancas na superfície de corte dos rins (22,6%). Lesões extrarrenais de uremia ocorreram na
metade dos casos (50,9%). Hepatomegalia (11,3%), nefromegalia (9,4%) e irregularidade da superfície
capsular dos rins (3,8%) foram menos comuns. Na histologia dos rins (n=53), as lesões encontradas
(98,1%) foram quase que exclusivamente agudas ou subagudas (96,2%) e caracterizavam-se por graus
variados nefrose tubular (86,8%) e nefrite intersticial não supurativa (60,4%), com evidente
dissociação degenerativo-inflamatória. Na histologia do fígado (n= 42), as lesões encontradas (97,6%)
eram constituídas principalmente por dissociação dos cordões de hepatócitos (78,6%), colestase intracanalicular
(33,3%) e necrose hepática (31%). Lesões reativas, como hipertrofia das células de
Kupffer, leucocitostase sinusoidal e infiltrado inflamatório mononuclear nos espaços porta, foram
vistas em muitos casos (42,8%). Na histologia do pulmão (n=28), hemorragia (85,7%) e edema
(57,1%) alveolares foram muito prevalentes. Neutrófilos e macrófagos nos espaços alveolares (35,7%)
e neutrófilos no interior de pequenos vasos pulmonares (17,9%) também foram achados frequentes. Os
resultados aqui demonstrados devem servir de alerta aos patologistas veterinários brasileiros, pois a
apresentação anatomopatológica da leptospirose canina em nossa região (Região Central do Rio
Grande do Sul, Brasil) não se modificou nos últimos 50 anos, mantendo-se semelhante àquela descrita
internacionalmente até a década de 1980, mas muito diferente do que é atualmente reconhecido para
os Estados Unidos, o Canadá e parte da Europa Ocidental. Recomendamos que os critérios
histopatológicos para o diagnóstico da leptospirose canina devem incluir a presença concomitante de
nefrite tubulointersticial aguda ou subaguda, hepatite reativa não específica e lesão alveolar difusa,
incluindo hemorragia alveolar difusa com capilarite, em cães que durante a necropsia demonstrem
icterícia, hemorragias e lesões extrarrenais de uremia na ausência de esplenomegalia.