De anônimos a heróis: discursos sobre o câncer de 1973 a 2013 no gênero reportagem de popularização da ciência na revista VEJA
Resumo
Esta tese de doutorado é vinculada ao projeto CNPq Nº 301793/2010-7, Análise crítica de gêneros discursivos em práticas sociais de popularização da ciência (MOTTA-ROTH, 2010), e desenvolvida com base no aparato teórico-metodológico da Análise Crítica de Gênero (ACG) que, a partir de pressupostos como o dialogismo e a polifonia (BAKHTIN, 2011), oferece os meios para a análise do processo de interação entre textos e discursos e pela observação da relação estreita entre contexto e texto (MOTTA-ROTH, 2006, p. 147). A ACG tem caráter interdisciplinar e é constituída pela confluência entre: Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), mais precisamente, a Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) de Halliday (1994) e Halliday e Matthiessen (2004); Sociorretórica (SR), principalmente em Miller (2009a; 2009b), Swales (1990, 2004), Askehave e Swales (2009) e Bazerman (2011); Análise Crítica do Discurso (ACD), em especial os postulados de Fairclough (2003, 2008). Neste estudo, analisamos diacronicamente (1973-2013) a representação do câncer no gênero reportagem de popularização da ciência (PC) na revista VEJA. Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa, de inspiração etnográfica, cujas etapas de análise ora apresentam ênfase nas práticas sociais, ora nas práticas discursivas. Por meio da análise de 25 reportagens selecionadas pelo critério "com chamada na capa , detivemo-nos em analisar possíveis mudanças na angulagem da temática câncer (a doença, os avanços científicos e os pacientes), as vozes mobilizadas no processo de recontextualização do discurso científico e os procedimentos discursivos presentes no processo de explicação (e, consequentemente, de representação) do câncer. Os resultados indicam que, ao longo de quatro décadas, o discurso recontextualizador mudou o ângulo de abordagem. Na década de 1970, o destaque foi dado à doença. Nas décadas de 1980, 1990 e 2000, a ênfase foi dada aos avanços científicos. Por fim, na década de 2010, aos pacientes. Nesse discurso recontextualizador, as vozes predominantes são as dos técnicos/especialistas, aqueles que aplicam o conhecimento desenvolvido pelos pesquisadores, indicando que, numa publicação não segmentada nem especializada, como a VEJA, a tendência é que tais vozes são as que recebem mais espaço para explicar o câncer aos não especialistas. Nesse processo de PC, os procedimentos discursivos mais usados são as metáforas, em especial, as do campo semântico da guerra. Os resultados apontam ainda que a representação do câncer, na perspectiva da doença, não se modificou. Representações do câncer como inimigo de guerra , condenação e adversário/opositor são reafirmadas ao longo de 40 anos. O discurso de PC, no entanto, alterou a representação dos pacientes. De anônimos , indefesos e condenados passaram, após alguns anos, à condição de heróis . No bojo do processo de PC que se dá no contexto midiático, foi possível constatar, ainda, que há, no(s) discurso(s), pelos menos três fenômenos: a espetacularização , a conversacionalização e a comodificação .