A influência do processo inflamatório nas convulsões e no déficit cognitivo induzidos pelo ácido glutárico em ratos jovens
Resumo
A acidemia glutárica tipo I (GA-I) é um erro inato do metabolismo (EIM) caracterizada bioquimicamente pelo acúmulo principal de ácido glutárico (GA) e patologicamente por uma característica degeneração estriatal. As manifestações clínicas são predominantemente neurológicas, e desenvolvem-se principalmente na infância (até os 5 anos de idade). Entre estas alterações, destacam-se as convulsões e os déficits cognitivos, os quais podem ser precipitados por processos infecciosos. A partir disso, a primeira hipótese a ser testada neste estudo foi investigar se o lipopolissacarídeo sorotipo E. coli 055 B5 (LPS; 2 mg/Kg; i.p.), um agente inflamatório, facilitaria as convulsões induzidas pelo GA em ratos jovens. Para isso, primeiramente determinou-se a dose intraestriatal aguda de GA (1.3 μmol/estriado) que causa convulsões comportamentais e eletroencefalográficas (EEG) em ratos jovens (21 dias). Em seguida foi verificado que a administração de LPS 3 horas antes da injeção intraestriatal de GA não alterou as convulsões, mas quando o LPS foi administrado 6 horas antes do GA, ele reduziu a latência e aumentou a duração das convulsões comportamentais e EEG induzidas pelo GA em ratos jovens. Observou-se também que injeção de LPS causou uma queda inicial na temperatura retal dos ratos jovens (até 2 horas), seguida de uma elevação na temperatura que iniciou em 3 horas e permaneceu alta até 6 horas após a injeção de LPS. Além disso, foi verificado que injeção de LPS 3 e 6 horas antes da injeção intraestriatal de GA causou um aumento nos níveis estriatais de IL-1β nos ratos jovens, sendo esse aumento estatisticamente maior em 6 do que em 3 horas. Também foi observado que o aumento nos níveis estriatais de IL-1β, causado pela administração de LPS, correlacionou-se positivamente com o tempo total de convulsões. Por fim, verificou-se que uso prévio do anticorpo da IL-1β preveniu a redução da latência e o aumento da duração das convulsões causadas pela administração de LPS 6 horas antes da injeção intraestriatal de GA nos ratos jovens. Assim, estes achados sugerem que a sinalização da IL-1β presente no processo inflamatório produzido pelo LPS contribui decisivamente para a hiperexcitabilidade neuronal e, consequentemente, para a redução da latência e o aumento da duração das convulsões induzidas pelo GA. Dessa maneira, tratamentos farmacológicos específicos que bloqueiam a superprodução ou as funções da IL-1β na GA-I, podem representar uma estratégia não convencional para o tratamento dessa patologia. Entretanto, estudos clínicos devem ser realizados a fim de avaliar a eficácia desse tratamento nos pacientes glutaricoacidêmicos que apresentam convulsões. Desde que os pacientes com GA-I apresentam outras alterações neurológicas importantes além das convulsões, como prejuízos cognitivos, a segunda hipótese a ser testada neste estudo foi verificar se o tratamento crônico com GA (5 μmol/g; s.c.; duas vezes por dia; do 5° ao 28° dia de vida) causaria déficit de memória espacial em ratos jovens, bem como se a inflamação produzida pelo LPS (2 mg/Kg; i.p.; uma vez por dia; do 25° ao 28° dia de vida) facilitaria o déficit cognitivo induzido pelo GA. Além disso, também foi objetivo avaliar o impacto desses tratamentos sobre possíveis alterações funcionais e estruturais no hipocampo desses animais. Inicialmente verificou-se que o tratamento crônico com GA, assim como os tratamentos com LPS e GA-LPS, causaram um déficit no aprendizado espacial dos ratos jovens. No entanto, foi observado que o tratamento com GA-LPS produziu um maior prejuízo na memória espacial comparado com os outros tratamentos. Em seguida foi observado que nenhum dos tratamentos alterou o peso ou a atividade locomotora/exploratória dos animais. Verificou-se também que o tratamento crônico com GA, assim como os tratamentos com LPS e GA-LPS, aumentaram os níveis hipocampais de IL-1β e TNF-α nos ratos jovens. Além disso, foi observado que tratamentos com GA, LPS e GA-LPS causaram uma redução no volume hipocampal total dos ratos jovens. Finalmente verificou-se que os tratamentos com GA, LPS e GA-LPS causaram uma redução na atividade da subunidade α1 da enzima Na+,K+-ATPase. Por outro lado, foi observado que os tratamentos com GA e LPS causaram um aumento na atividade das subunidades α2/3 da enzima. Assim, somente o tratamento com GA-LPS apresentou uma redução na atividade total da enzima Na+,K+-ATPase no hipocampo dos ratos jovens. Estes dados indicam que o prejuízo no aprendizado espacial observado nos ratos tratados com GA, LPS e GA-LPS parece estar relacionado a um aumento nos níveis de citocinas inflamatórias, a uma redução no volume hipocampal e a uma inibição na atividade da subunidade α1 da enzima Na+,K+-ATPase. No entanto, o maior prejuízo na memória espacial observado nos ratos tratados com GA-LPS ocorreu devido a inibição na atividade total da enzima Na+,K+-ATPase, que foi específica das isoformas α2/3, já que somente este grupo não apresentou resposta compensatória na atividade destas subunidades. Portanto, esta segunda parte do estudo demonstrou que o tratamento crônico com GA causou um déficit no aprendizado espacial de ratos jovens, e que a presença de um processo inflamatório potencializou o prejuízo na memória espacial induzida pelo GA sozinho. Assim, o entendimento dos mecanismos envolvidos nas convulsões e no déficit cognitivo observados nos paciente com GA-I frente a um processo inflamatório é importante para o desenvolvimento de novas terapias para o tratamento dessa patologia, bem como de outras doenças associadas à presença de mediadores inflamatórios.