Os testemunhos na cobertura ao vivo do incêndio da boate Kiss
Resumo
A pesquisa trata da participação dos testemunhos na cobertura jornalística ao vivo do incêndio da
boate Kiss. A tragédia ocorrida na cidade de Santa Maria (RS), em 27 de janeiro de 2013, provocou a
morte de 242 jovens e teve repercussão mundial. A cobertura expôs não só o drama dos sobreviventes
e das famílias das vítimas, mas também a complexidade do trabalho jornalístico em um ambiente
desestruturado, em que rotinas produtivas são rompidas e o acesso a fontes oficiais dificultado. A
partir desse contexto e tensionando com a imediaticidade da cobertura ao vivo, observa-se a ascensão
das fontes testemunhais. Como aporte teórico, parte-se de três perspectivas: as teorias
construcionistas, com o entendimento de jornalismo como um discurso decorrente de uma série de
condições e circunstâncias configuradoras do conteúdo produzido e regido por um contrato de
comunicação; as teorias do jornalismo, com a compreensão do papel central das fontes na construção
do discurso jornalístico; e os estudos dos testemunhos, com a concepção de confiabilidade presumida,
de efeito de verdade e de marcação de realidade desse tipo de depoimento. Com base nesses
pressupostos, busca-se compreender os papéis desempenhados pelos testemunhos na cobertura e
discutir como a emoção constitutiva de uma situação de tragédia, transformada em efeito patêmico a
partir da manifestação dos testemunhos, colabora não só para a visada de captação, como também
para a de informação. Para isso, analisam-se as entradas ao vivo veiculadas pela Rede Globo de
Televisão e sua afiliada RBS TV, nos dias 27, 28 e 29 de janeiro de 2013, a partir da sistematização de
Patrick Charaudeau sobre os meios discursivos de provar a verdade (designação, reconstituição e
elucidação) e de conferir emoção (efeito patêmico). Verificou-se na manifestação das testemunhas o
predomínio das provas de verdade (66,7%). Entretanto, sugere-se que dado ao contexto trágico do
acontecimento, o efeito patêmico esteja presente até mesmo nos enunciados da visada da informação.
Da mesma forma, observa-se que as sequências classificadas como patêmicas, também apresentam
teor informacional. Assim, conclui-se que o contrato de comunicação ganha novos contornos nas
situações de tragédia, fazendo com que o fazer sentir se aproxime do fazer saber.