Contraexemplos de Gettier: repensando a justificação epistêmica
Resumo
Na década de 60, inicia-se um debate, no âmbito epistemológico, em torno de um suposto problema proposto por Edmund Gettier a respeito da definição tradicional de conhecimento. Até a atualidade, os casos apresentados por Gettier parecem não ter sido resolvidos, o que torna a discussão relevante nos atuais debates epistemológicos. De acordo com esses casos, é possível postular cenários em que as condições (crença, verdade e justificação) necessárias e suficientes para a definição tradicional de conhecimento são satisfeitas; entretanto, o sujeito, candidato a conhecedor, não está de posse de conhecimento. As principais discussões sobre isso ocorrem em torno do conceito de justificação epistêmica, pois se supõe que a justificação, entendida como o elemento que identifica a verdade da crença, não é suficiente para realizar essa função; permitindo, assim, situações em que o sujeito esteja de posse de justificação para suas crenças e, mesmo assim, não tenha conhecimento. Para as teorias que mantêm as condições-padrão para a definição do conceito de conhecimento, os casos de Gettier são postos como um problema, e muitas tentativas de superá-lo acontecem por meio do estabelecimento de uma condição anti-Gettier para a definição de conhecimento. Essa via de solução leva ao desenvolvimento de teorias da justificação que incorrem em adicionais casos de tipo-Gettier. Diferentemente disso, Laurence BonJour publicou uma crítica denominada O Mito do Conhecimento, em que os casos de Gettier são entendidos como pseudoproblemas epistemológicos. BonJour argumenta que tais casos, e também o Paradoxo da Loteria, são introduzidos à epistemologia como resultado da adoção de uma visão falibilista do conhecimento, particularmente com relação ao conceito de justificação. O que se evidencia é que os falibilistas têm fracassado nas tentativas de soluções para casos tipo-Gettier, e com isso inviabilizam a possibilidade de um conceito coerente de conhecimento. O equívoco da sustentação de uma justificação falível para o conhecimento radica num mito, a saber, que pode ser encontrado no senso comum uma concepção de conhecimento que seja digna de preocupação filosófica. Para BonJour essa visão falibilista do conhecimento é filosoficamente insustentável. Sua sugestão é de que se abandone o mito que a sustenta, pois somente assim se dissolveriam os pseudoproblemas epistemológicos, como aqueles engendrados pelos contraexemplos de Gettier.