O emergir de um novo território camponês: conquistas e transformações nos domínios do latifúndio o caso de São Gabriel - RS
Resumo
No limiar do século XXI a questão agrária se (re)significa no paradoxal movimento espaço-temporal em que está inserida. Um dos processos reveladores desse movimento diz respeito à criação e recriação do campesinato. No âmbito do espaço rural brasileiro, os movimentos sociais populares, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desempenham um papel elementar para essa criação e recriação. Esse processo é marcado por conflitos, desde a luta pela terra, até a luta para viver e se reproduzir na terra conquistada. Assim, a questão agrária brasileira se circunscreve em um campo de conflitos, onde se desenvolve a disputa de territórios entre diferentes agentes: o campesinato, os latifundiários, os representantes do agronegócio e os aparelhos de Estado. No Rio Grande do Sul, na região da Campanha Gaúcha, tradicionalmente identificada com o domínio secular do latifúndio pecuarista, recentemente convertida em espaço de expansão do agronegócio, encontra-se um dos locus dessa disputa. Um dos espaços-tempo onde esse processo tornou-se emblemático é o município de São Gabriel. Nesse espaço-tempo, em sua luta para se espacializar e se territorializar, o MST obteve conquistas como a formação dos assentamentos rurais, por outro lado, os sujeitos que vivenciam a luta pela e na terra sofrem constantemente diferentes formas de violência. Esta pesquisa objetiva compreender as principais transformações produzidas no espaço rural de São Gabriel, a partir da luta pela e na terra vivenciada por famílias organizadas pelo MST. A análise da questão é conduzida sob a perspectiva em que o espaço geográfico é considerado em sua historicidade e totalidade, em movimento de relações. Na busca por desenvolver uma pesquisa qualitativa articulam-se dois planos: o teórico e o empírico, por meio dos quais se percorre do intuitivo empírico à abstração teórica e vice-versa, para aproximar-se sucessivamente do objeto da análise e restituí-lo enquanto síntese de múltiplas dimensões. A partir desses procedimentos metodológicos foi possível compreender, em decorrência de processos sociais, como a nova relação que as famílias estabelecem com a terra nos assentamentos conquistados, as relações de trabalho, a cultura política de organização e participação, bem como as diferentes estratégias traçadas para o desenvolvimento dos assentamentos, modificam as formas, as funções e a estrutura do espaço geográfico. Também, esses sujeitos desenvolvem uma territorialidade ativa que contribui para a transformação das relações de poder e da cultura política local. Na medida em que se reterritorializam no espaço, os sujeitos reinventam seu modo de vida e passam a partilhar de uma posição de classe subalterna na trama das relações de poder inerentes à disputa territorial. Ao enfrentar os dilemas da subalternidade, elaboram suas respostas e seus distintos projetos de futuro, num movimento de apropriação material e simbólica do espaço conquistado, que resulta na construção de um novo território, o território dos camponeses-assentados.