Murmúrios de uma vivência: metáfora literária da efemeridade histórica
Abstract
Murmúrios de uma vivência: metáfora literária da efemeridade histórica tem como objeto de estudo o romance A costa dos murmúrios (1988) da autora contemporânea portuguesa Lídia Jorge. O romance evoca os acordes de um passado recente: a guerra colonial entre Portugal e Moçambique. No entanto, as
guerras individuais das personagens na família, no casamento assumem o primeiro plano, ainda que todas permaneçam à sombra do conflito imperial, que invade o cotidiano, o particular, os acasos diários. Quanto à forma do romance, tudo ali se distancia do íntegro, do absoluto, do uno, o que, já à primeira vista, se observa na bipartição do tecido textual em duas narrativas: um pequeno relato de
abertura intitulado Os Gafanhotos, comandado por uma voz externa e onisciente, e uma segunda narrativa, extensa, sem título, orientada pelo testemunho de Eva, uma das mulheres dos oficias portugueses em guerra. Ambos os relatos apresentam-se distanciados vinte anos dos acontecimentos que narram. Assim, o que ressalta é a construção da memória sobre o passado: a rememoração dos narradores, da linguagem literária sobre o processo histórico português. Nesse contexto, a análise centrou-se nas histórias encenadas e na construção dos discursos narrativos. Desvendado o sentido do texto, a interpretação buscou dar significado ao ato rememorativo dos narradores, de uma perspectiva interdisciplinar. Tornou-se necessário, ainda, marcar a
especificidade do discurso literário frente ao real histórico, averiguando como A costa dos murmúrios recria o referente externo e torna possível a memória dele. Notou-se, então, que o romance jorgiano, pela metaforização do passado,
preocupa-se em resgatar sentidos humanos, o sofrimento que a guerra impôs sobre suas vítimas. Para isso, o discurso romanesco realça a fugacidade das coisas, a transitoriedade da vida e a necessidade urgente de construção da memória dos ruídos, dos estilhaços do passado, dos cheiros, dos murmúrios que ainda não se apagaram.