Efeito neuroprotetor da creatina e avaliação dos parâmetros cinéticos da captação de glutamato induzidos pelo ácido glutárico no estriado de ratos
Resumo
A acidemia glutárica tipo I (GA-I) é um erro inato do metabolismo (EIM) caracterizada bioquimicamente pelo acúmulo principal de ácido glutárico (GA) e ácido 3-hidroxiglutárico (3-OH-GA), e patologicamente por uma característica degeneração estriatal. Devido à escassez de medidas terapêuticas efetivas para essa acidemia, vários estudos têm investigado novas terapias, já que uma em cada três crianças submetidas aos atuais tratamentos sofre degeneração estriatal. Nesse contexto, o presente trabalho teve por objetivo em sua primeira parte, investigar os efeitos do tratamento agudo com creatina (Cr), um composto guanidínico endógeno que tem mostrado efeitos neuroprotetores em uma variedade de modelos experimentais de doenças neurodegenerativas e também em acidemias orgânicas, sobre as alterações comportamentais e neuroquímicas induzidas pelo GA in vivo. Nossos resultados demonstraram que a administração aguda de Cr preveniu as convulsões comportamentais e eletrográficas, o aumento do conteúdo de proteína carbonil e a redução da atividade da enzima Na+,K+-ATPase induzidos pelo GA em ratos. Além disso, a Cr também protegeu da redução da captação de L-[3H]glutamato sinaptossomal induzida pelo GA in vitro. Como foi observado nesta primeira parte, que o GA em uma baixa concentração (10 nM) foi capaz de reduzir a captação de L-[3H]glutamato em sinaptossomas estriatais de ratos, e desde que os mecanismos responsáveis pela degeneração estriatal observada nos pacientes glutaricoacidêmicos ainda não estão bem esclarecidos, decidimos avaliar em uma segunda etapa, um provável mecanismo de ação primário para os efeitos neurotóxicos desta baixa concentração de GA, que possivelmente pode estar presente no início da GA-I. Verificamos que o GA reduziu a captação de L-[3H]glutamato e aumentou a formação de espécies reativas (ER) em sinaptossomas de estriado de ratos em todos os tempos testados. Além disso, observamos pela primeira vez que o GA reduziu a eficácia (VMax), mas não a afinidade (KD) da captação de L-[3H]glutamato em sinaptossomas estriatais, sugerindo uma inibição do tipo não competitiva. A adição simultânea do L-trans-pirrolidina-2,4-dicarboxilato (PDC), um inibidor dos transportadores de glutamato, com o GA não alterou o efeito inibitório sobre a captação de L-[3H]glutamato induzido pelo ácido orgânico, indicando a participação dos transportadores de glutamato na redução da captação desse neurotransmissor induzida pelo GA.
Desde que a atividade dos transportadores de glutamato pode ser inibida por oxidação, evidenciamos que embora o antioxidante trolox proteja do aumento da formação de ER induzidas pelo GA, ele não protege da redução da captação de L-[3H]glutamato induzida por este ácido orgânico em sinaptossomas de estriado. Estes achados sugerem que a formação de ER pode ser um evento tardio na neurotoxicidade observada na GA-I. Além disso, não podemos excluir a possibilidade de que o GA também possa estimular diretamente os receptores de glutamato, desde que a formação de ER induzidas pelo GA foi atenuada pelo antagonista de receptor de glutamato não-NMDA, o CNQX, mas não pelo MK-801 e o GA, nessa baixa concentração, não apresentou atividade oxidante per se. Portanto, os resultados apresentados no presente estudo demonstram que a administração previa de creatina protege das ações deletérias ocasionadas pelo GA. Além disso, evidenciamos, pela primeira vez, que uma baixa concentração de GA causa ações excitotóxicas primárias, bem como, estresse oxidativo na estrutura cerebral predominantemente afetada nesta doença. Assim, acreditamos que este trabalho possa auxiliar na elucidação da gênese da GA-I, bem como no desenvolvimento de estratégias terapêuticas adjuvantes eficazes no tratamento desta acidemia.