Práticas de consumo das redes sociais por mães de vítimas do incêndio da boate Kiss: a criação de experiências no cotidiano
Resumo
Esta dissertação tem como problemática central compreender qual o papel das práticas de
consumo das redes sociais online para mães de vítimas do incêndio da Boate Kiss na criação
de experiências no cotidiano, de forma a reestruturar a vida após a morte trágica de um filho.
Partiu-se da ideia de que as culturas digitais proporcionaram o surgimento de uma nova forma
de comunicação e também de uma série de experiências nas diferentes dimensões sociais, além
de possibilitarem o surgimento de espaços para antigas práticas como as ligadas ao luto e à
morte (ELIAS, 2001, RODRIGUES, José, 2006). Assim se quer compreender as
particularidades e as singularidades das práticas online desse grupo de mulheres. A tragédia da
Boate Kiss deixou 242 mortos em janeiro de 2013, em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Mesmo
tendo a investigação policial apontado diversas irregularidades na casa noturna, até fevereiro
de 2019, ninguém havia sido responsabilizado criminalmente pelas mortes. Movidas por um
sentimento de desamparo, as mães acionam dinâmicas comunicativas e sociais para unirem a
figura materna, associada ao espaço doméstico (BADINTER, 1985), à imagem de guerreiras
que ocupam os espaços públicos (VIANNA; FARIA, 2011) para lutar por justiça e pela
memória dos filhos e da tragédia, ao mesmo tempo que buscam meios de voltar a habitar o
mundo (DAS, 1996). Como embasamento teórico, adota-se a perspectiva sociocultural de
consumo (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004; MILLER, 2007; MILLER et al 2016) enquanto
algo representativo e simbólico, capaz de conferir sentido e identidade às práticas e processos
de grupos e indivíduos (BARBOSA; CAMPBELL, 2012) nas redes sociais. Parte-se da ideia
da internet como artefato cultural, incorporada ao cotidiano (HINE, 2004, 2015), que assume
diferentes significados dependendo do contexto em que é consumida. Nesta pesquisa, aplica-se
uma abordagem etnográfica para internet (HINE, 2015) com a realização de trabalho de campo,
que inclui observação de publicações em sites de redes sociais, interações em ambientes offline
e entrevistas com quatro mães de vítimas. Conclui-se que a luta por justiça e memória assumiu
uma centralidade na vida dessas mães que perpassa todas as instâncias, assim como as redes
sociais online, em especial o Facebook. Assim, suas práticas de consumo online são
experienciadas para construir um espaço de ação onde possam falar sobre suas dores e suas
demandas, possam manter a imagem de mãe que sofre e que luta por uma causa coletiva e por
uma mudança na sociedade, além de vivenciar o luto e a saudade. Conclui-se também que o
Facebook assume cinco significados centrais na vida das mães: de resistência, de proteção,
terapêutico, de memória e de uma nova forma de ser mãe.
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