Os bobos do imperador: a tradição picaresca em O chalaça e Era no tempo do rei
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Data
2023-01-24Primeiro membro da banca
Montemezzo, Luciana Ferrari
Segundo membro da banca
Silva, Miguel Rettenmaier da
Metadata
Mostrar registro completoResumo
Desde o seu surgimento na Espanha renascentista, o romance picaresco vem ecoando por
reverberações cada vez mais díspares na contemporaneidade, distanciando-se do modelo
original, mas mantendo alguns rastros característicos ao remodela-los. Tematizando a vida de
Dom Pedro I, os romances brasileiros contemporâneos O Chalaça (1994), de José Roberto
Torero, e Era no Tempo do Rei (2007), de Ruy Castro, conclamam-se pela máscara picaresca,
o que nos instigou a questionar de que forma essa tradição está sendo demonstrada nesses dois
romances. Para elucidar a investigação que se abre, partimos dos estudos de Mikhail Bakhtin
acerca das origens do gênero romanesco, considerando a influência do riso popular nesse
processo e da alocação de imagens rebaixadas na literatura renascentista, ao qual o romance
picaresco está inserido. Ademais, conduzimos nossa pesquisa na esteira da paródia, a partir de
Linda Hutcheon, recurso proeminente na picaresca clássica e presente nos dois romances
analisados. Sendo assim, percebemos que tanto O Chalaça, quanto Era no Tempo do Rei
buscam um rompimento com o modelo realista, utilizando-se da sátira e da paródia para criar
narradores que se deslocam por diferentes tempos e locais da sociedade brasileira do período
Joanino, desnudando a Corte Portuguesa e as figuras históricas que eram próximas a Dom
Pedro. Seguindo a tradição picaresca de ficcionalizar aspectos populares enquanto rebaixa os
valores morais dominantes, os dois romances tecem críticas sociais sem qualquer tipo de filtro,
no mesmo passo em que homenageiam autores e obras que fizeram isso antes deles. Em O
Chalaça, as amarras com a picaresca clássica são parodiadas pela relação que o narrador possui
com seu amo, Dom Pedro, ironizando as máscaras de homem de bem necessárias ao pícaro. Já
em Era no Tempo do Rei, o narrador de focalização externa faz uso desse poder para transitar
por mais lugares, e como um verdadeiro bobo da corte não mede esforços para rebaixar as
principais figuras da Corte Portuguesa e todas as figuras do romance. Apenas o jovem
Leonardo, protagonista de Memórias de um Sargento de Milícias, e parodiado como
personagem, é poupado, recebendo a elevação do condutor da carnavalização. Os dois
romances desvelam uma sociedade intrinsecamente afetada pelos jogos de máscaras burguês
antecipado pela picaresca clássica, como se vissem no Rio de Janeiro Joanino o resultado desse
processo iniciado com o final da Idade Média. Os personagens habituados a esse movimento
social se permitem olhar para o que está ao seu lado, fazendo revelar hábitos daqueles que não
conseguiram a almejada ascensão social e mantêm-se marginalizados culturalmente. Como
neopícaros Leonardo e o Chalaça carregam em sua jornada os dois polos da sociedade brasileira
da época, vindo de famílias pobres e tendo Dom Pedro como melhor amigo, ambos dão um
panorama amplo da sociedade brasileira, indo do popular ao aristocrático. Em suma, os dois
romances dão um tom de brasilidade à tradição picaresca, escancarando como algumas
máscaras são necessárias para conseguir o que se quer, principalmente em meio ao carnaval.
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