A (in) constitucionalidade da tese do marco temporal das terras indígenas: da segurança jurídica à interpretação constitucional
Resumo
A Constituição Federal de 1988 conferiu uma série de direitos aos povos indígenas, com
destaque para o direito sobre as terras por eles tradicionalmente ocupadas. Essa expressão, no
entanto, suscitou divergências a respeito de sua adequada interpretação. Isso porque, de um
lado, sustenta-se uma exegese objetivo-temporal, limitando o alcance do direito às terras que
estivessem ocupadas na data da promulgação da Constituição de 1988, por razões de segurança
jurídica – trata-se do chamado marco temporal. Por outro lado, argumenta-se que a
hermenêutica adequada da expressão dispensaria esse aspecto de temporalidade. Assim, tendo
essa discussão como norte, o presente estudo pretende desvelar os limites e as possibilidades
da tese do marco temporal das terras indígenas à luz do texto constitucional de 1988.
Desenvolvem-se, com esse intuito, três capítulos, cada qual com dois subcapítulos. O primeiro
expõe os principais recortes históricos no tocante aos povos indígenas, a demonstrar que
atravessaram sistemáticos episódios de violência e deslocamentos forçados de seus territórios,
além de apresentar a evolução do constitucionalismo brasileiro quanto à tutela dos direitos
indígenas. Na sequência, o segundo objetiva analisar a origem do marco temporal na
jurisprudência, que se deu com o caso Raposa Serra do Sol (Pet. 3.388/RR), julgado pelo STF
no ano de 2009. Por fim, o último capítulo volta-se à análise da questão central do trabalho, a
partir do confronto das diferentes perspectivas a respeito da matéria, tendo como paradigma os
votos proferidos por ocasião do julgamento do RE nº 1.017.365/SC, em que o Supremo Tribunal
Federal foi instado a revisitar a matéria. Assim, são analisados os três votos já proferidos,
tecendo as observações e os contrapontos pertinentes. Para tanto, utiliza-se o método de
abordagem dialético, uma vez que o objeto da pesquisa é examinado a partir do confronto entre
os posicionamentos acerca do cabimento da tese do marco temporal. Ademais, utiliza-se o
método de procedimento histórico, para se analisar a historicidade dos povos indígenas no
Brasil, bem como o método de procedimento monográfico, adotando-se o estudo de caso da
decisão em que se acolheu a tese do marco temporal. Agregou-se, ainda, a técnica de pesquisa
da documentação indireta, por meio da pesquisa bibliográfica. Conclui-se que a tese do marco
temporal é inconstitucional. Primeiramente, porque, tratando-se os direitos indígenas de direitos
fundamentais, eventual restrição deve encontrar fundamento no próprio texto constitucional, o
que não se verifica. Outrossim, os argumentos utilizados para a defesa da tese do marco
temporal representam, em geral, falsas dicotomias. Assim, a hermenêutica adequada do
dispositivo constitucional demanda a observância do princípio da máxima efetividade das
normas constitucionais, da vedação ao retrocesso e da proibição de proteção deficiente, a fim
de que se cumpram os objetivos da Constituição. Contudo, defende-se que o afastamento do
marco temporal seja concomitante à possibilidade de indenização, em determinadas hipóteses,
a possuidores de boa-fé, tendo em vista a imposição de responsabilidade à União, pela leniência
em proceder às demarcações das terras, conciliando-se, pois, os interesses em disputa, sem
sacrificar de forma desmedida nenhum desses.
Coleções
- TCC Direito [381]
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