“Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição”: a troca de cartas como dispositivo clínico com adolescentes privados de liberdade
Visualizar/ Abrir
Data
2023-07-31Primeiro coorientador
Costa, André Oliveira
Primeiro membro da banca
Arpini, Dorian Mônica
Segundo membro da banca
Coutinho, Luciana Gageiro
Metadata
Mostrar registro completoResumo
A presente pesquisa parte das reverberações da experiência da pesquisadora no encontro de
sua escuta com a palavra escrita de extensionistas universitários e adolescentes privados de
liberdade em tempos de pandemia da COVID-19. A imposição do distanciamento social
impactou drasticamente o mundo. A privação de liberdade potencializa intrinsecamente as
condições de vulnerabilidades e exclusão, além de promover o silenciamento dos sujeitos.
Diante desse cenário, um grupo de extensionistas da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM) propôs aos adolescentes de um Centro de Atendimento Socioeducativo, localizado
no interior do Estado do Rio Grande do Sul, a troca de cartas como maneira de dar seguimento
às atividades que foram interrompidas durante a pandemia da Covid-19. Assim, a partir de
balizadores ético-metodológicos da pesquisa em psicanálise, a presente dissertação buscou
analisar o processo de troca de cartas e compreendê-lo enquanto um dispositivo clínico com
adolescentes privados de liberdade. Ocupamo-nos da escuta-flânerie e da leitura-escuta para
adentrar os campos da experiência e compor as construções por esta dissertação apresentada.
Nos serviram como instrumentos para a análise do dispositivo as correspondências trocadas
entre extensionistas e adolescentes no período de maio de 2020 a maio de 2022, as atas dos
encontros do grupo e o diário de experiência da pesquisadora. Na experiência das
correspondências, foi observado que as cartas teceram espaço para o registro de fragmentos
textuais, desenhos, poemas e músicas, onde os adolescentes expressaram e elaboraram seus
conflitos, sentimentos cotidianos, tanto a respeito do momento pandêmico quanto de suas
trajetórias de vida. A leitura das cartas, realizada pelos extensionistas, foi aguçando os
ouvidos para maneiras outras de escutar o que nelas estava cifrado, além disso, foi percebida
a constante convocação da presença dos extensionistas pelos adolescentes, aproximando-se
desta forma a uma experiência de escuta clínica. A travessia pelos diferentes espaços
demonstrou que a identificação do dispositivo se deu no tempo a posteriori pelo grupo que,
ao buscar maneiras de arquivar as cartas, buscou também modos de narrar e decantar as
vivências em experiência. O princípio do dispositivo troca de cartas partiu da resposta do
grupo às demandas do distanciamento social ocasionado pela pandemia da Covid-19, e pela
urgência na criação de espaços de circulação da palavra para os adolescentes que cumpriam
medida socioeducativa de internação. Compreendemos que a constituição do dispositivo se
deu a partir do convite à fala, do posicionamento do desejo da escuta, da criação dos espaços
vazios, e das relações transferenciais estabelecidas. Ao aprofundarmos as reverberações do
dispositivo troca de cartas nas correspondências entre uma extensionista e um adolescente,
pode-se observar que este subverteu a lógica institucional de silenciamento, contrapondo o
esquecimento e o apagamento das trajetórias de vidas dos adolescentes perpassadas pelas
violências, privações e exclusão. Além disso, o dispositivo possibilitou aos adolescentes,
maneiras de re-contar suas histórias, e produziu deslocamentos do ato à palavra.
Coleções
Os arquivos de licença a seguir estão associados a este item: