A ponta do iceberg é o professor na escola...
Resumo
Tão complexo quanto o iceberg, o trabalho do professor tem muito ainda a ser desvelado até que se (re)conheça e se (re)valorize o profissional e a profissão. Nesse intuito, o presente trabalho se propôs a investigar a complexidade do trabalho do professor, partindo da voz do próprio trabalhador. Com a análise de textos coproduzidos pelo trabalhador, esperávamos revelar as diferentes representações e avaliações mobilizadas pelo professor, bem como mostrar as dimensões do ser humano tematizadas por ele e as diferentes vozes acionadas pelo trabalhador e envolvidas no seu métier. Para tanto, realizamos quatro entrevistas semiestruturadas (gravadas em 2013 e 2015), com uma professora de ensino fundamental da rede pública de Santa Maria, o que resultou em dois módulos de texto, que foram analisados à luz do escopo teórico-metodológico do Interacionismo Sociodiscursivo e de contribuições complementares a esse quadro, na busca ampliar a visão sobre o trabalho do professor. Os procedimentos de análise sugeridos pelo ISD incluíram a análise do contexto sociointeracional e a análise de três níveis: organizacional, enunciativo e semântico. Com a análise dos dois primeiros níveis, aliada ao contexto sociointeracional, verificamos a organização dos conteúdos temáticos mobilizados pela professora ao retratar o próprio trabalho, tornando visíveis, por exemplo: as marcas de pessoa (eu,tu) para representar as múltiplas vozes (instâncias governamentais, categoria dos professores, o próprio trabalhador, os colegas de trabalho, a gestão da escola, os alunos, os familiares etc), que se manifestaram na representação do seu trabalho. Esta análise também revelou avaliações apoiadas nas condições de verdade ou possibilidade (epistêmica), embasadas em normas sociais (deôntica), fundamentadas em valores do próprio trabalhador (apreciativa) e avaliações atribuitivas de responsabilidade, intenções e motivos (pragmática). No terceiro e último nível, com a interpretação dos dois níveis anteriores, aliada à análise das figuras de ação, mostramos como a professora avaliou o próprio agir oriundo da experiência dela e as variadas dimensões individuais que foram tematizadas (físicas, psicológicas, afetivas etc) ao longo das avaliações sobre a formação, a rotina de trabalho e a trajetória profissional desse enunciador. Além disso, constatamos que o objeto de ação da professora ultrapassa a ação de criar um meio propício à aprendizagem de determinados conteúdos e ao desenvolvimento de determinadas capacidades dos alunos, uma vez que ela precisa, ainda, considerar as múltiplas faces do aluno e do contexto da profissão. Dessa forma, por meio da voz do professor, conseguimos desvelar aspectos importantes (e submersos) do trabalho docente capazes de influenciar a formação de professores (gerando interlocução) e a compreensão (a partir do registro e da dinamicidade da língua) dentro do próprio trabalho (pelo próprio trabalhador) do poder de agir do professor diante dos conflitos.