Efeito da lidocaína endovenosa perioperatória sobre a analgesia e a concentração sérica de citocinas: estudo randomizado e duplo-cego
Resumo
A dor pós-operatória ainda ocorre em mais de 50% dos procedimentos cirúrgicos. Sabe-se
que o tratamento inadequado da mesma pode piorar o desfecho dos pacientes, seja através
de uma resposta sistêmica exacerbada ao estresse cirúrgico, do aumento da incidência de
eventos cardiológicos isquêmicos ou mesmo do desenvolvimento de dor crônica. Novas
estratégias de analgesia multimodal têm sido utilizadas, baseadas no uso de diferentes
fármacos, por diferentes vias de administração e em períodos distintos, tentando reduzir as
doses de opioides, e, consequentemente, seus efeitos adversos. Neste contexto, a infusão
contínua de lidocaína intravenosa no período perioperatório tem se mostrado promissora. O
objetivo principal desse estudo foi comparar o grau de analgesia pós-operatória em
pacientes submetidos a colecistectomias laparoscópicas, sob anestesia geral, que
receberam lidocaína intravenosa em relação a um grupo controle. Comparou-se, também, o
consumo de opioide, o tempo de íleo paralítico, o tempo de alta hospitalar e os níveis de
interleucinas 1, 6, 10, fator de necrose tumoral e interferon gama. Foram selecionados 44
pacientes submetidos a colecistectomias videolaparoscópicas, que foram distribuídos
aleatoriamente em dois grupos. O primeiro recebeu lidocaína endovenosa, com bolus inicial
de 1,5 mg.kg-1, seguido da infusão contínua de 3 mg.kg-1 durante o período transoperatório
até uma hora após o término do procedimento. O segundo grupo recebeu solução
fisiológica, intravenosa, nas mesmas taxas de infusão, em, durante o mesmo período de
tempo. A intervenção foi realizada de maneira duplo-cega. No pós-operatório, ambos os
grupos receberam dipirona e utilizaram analgesia controlada pelo paciente (PCA) com
morfina. A dor foi avaliada através da Escala Numérica Visual (ENV) em repouso e ao tossir
na 1ª, 2ª, 4ª, 12ª e 24ª hora após o término da cirurgia. Amostras de sangue para dosagem
de citocinas foram coletadas no final do procedimento e vinte e quatro horas após. A dose de
morfina utilizada, o tempo para passagem de flatos e o tempo de alta hospitalar também
foram registrados e comparados. Os grupos se distribuíram igualmente referente ao sexo (p
= 0,2), idade (p = 0,5), peso (p = 0,08) e tempo de cirurgia (p = 0,6). Não foram observadas
diferenças na intensidade da dor pós-operatória entre os grupos tanto em repouso (p = 0,76)
quanto ao tossir (p = 0,31), na dose total de morfina (p = 0,9) e nos tempos de íleo paralítico
(p = 0,5) e de alta hospitalar (p = 0,9). Os marcadores inflamatórios avaliados, IL-1 (p =
0,02), IL-6 (p < 0,01), IFN γ (p < 0,01) e FNT α (p < 0,01), apresentaram redução significativa
de seus níveis séricos no grupo lidocaína, com exceção da IL-10 (p = 0,01), que, por
apresentar efeito anti-inflamatório, teve sua concentração aumentada. Assim, a lidocaína
endovenosa perioperatória em colecistectomias laparoscópicas não foi capaz de reduzir a
dor pós-operatória, o consumo de opioides, o tempo de íleo paralítico e o tempo de alta
hospitalar. Entretanto, seus efeitos anti-inflamatórios foram evidenciados pelas alterações
séricas significativas das citocinas estudadas.