Racionalidades tecnoburocráticas e quilombolas: integração da comunidade Córregos das Moças ao PAA
Resumo
O presente estudo visa compreender como a racionalidade burocrática do Programa de
Aquisição de Alimentos se relaciona com a racionalidade dos quilombolas da Comunidade
Córrego das Moças, situada no Município de Adrianópolis PR. Para tanto, realizei pesquisa
qualitativa, sob uma perspectiva etnográfica, associada à pesquisa bibliográfica sobre o tema.
Como resultados, analiso que a integração desses sujeitos sociais ao PAA tem gerado tênues
alterações em seus sistemas de produção, contemplando algumas mudanças nas divisões sociais
de trabalho familiar, propiciando ampliação da autonomia de mulheres e jovens frente a maridos
e pais. Coletivamente, a integração burocrática do grupo ao Programa sustenta-se, reforçando
e resignificando, relações de reciprocidade, amizade e parentesco, relações patrono-cliente e de
dominação masculina presentes no grupo. Compreendi que a assimilação dos quilombolas aos
padrões de normatização, padronização, rotinização e formalização burocrática do Programa
tem ocorrido de forma conflitiva, assimétrica e subordinada, em alguns casos, sofrendo ajustes
e adaptações internas, e em outros casos, não sendo plenamente cognoscíveis a esses sujeitos.
Nesses contextos, mediadores profissionais e quilombolas tem cumprido papel significativo na
conexão de visões de mundo e ethos, constituindo-se como corpo técnico especializado. Tal
contexto, no entanto, tem bloqueado a assunção, controle, socialização e aprendizado dos
quilombolas participantes, os quais se mantém subordinados aos mediadores responsáveis pela
gestão do Projeto. Por fim, analiso que o processo de integração desses quilombolas ao PAA
tem promovido a ampliação de sua autonomia relativa, na medida em que qualifica a condição
camponesa das famílias participantes, bloqueado, porém, a assunção, apropriação material e
simbólica das dinâmicas tecnoburocráticas pelos quilombolas, na gestão projeto, constrangendo
possibilidades de ampliação do processo de autonomia relativa e etnogênese do grupo,
reproduzindo contextos de violência e dominação legal e simbólica. Concluo o estudo
apontando a necessidade de conexão entre políticas públicas voltadas à agricultura camponesa,
familiar e quilombola, com políticas públicas de promoção da igualdade racial, enquanto
pressuposto necessário ao pleno desenvolvimento desses grupos étnicos.