Arroz à moda da casa?: a construção da primeira denominação de origem brasileira
Resumo
A flexibilização produtiva e a crescente importância da qualidade de bens e serviços são
algumas das principais transformações que demarcam o atual estágio do capitalismo. Neste
contexto, estratégias capazes de promover e comunicar as diferenciações de mercadorias se
tornam cada vez mais relevantes. Assim, a dimensão simbólica e o vínculo territorial das
mercadorias vêm adquirindo maior importância dentro dos mercados nas chamadas
economias dos signos e espaços. Neste âmbito, vários atores do sistema agroalimentar vêm
recorrendo a estratégias ancoradas na qualidade derivada de vínculos territoriais como
instrumento de diferenciação de seus produtos, dentre os quais se destaca a figura das
Indicações Geográficas (IGs). De longa data já utilizadas na Europa, tais figuras ainda são
relativamente recentes no Brasil, onde se desdobram em duas modalidades: a Indicação de
Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO). Estudos sobre as experiências brasileiras
têm apontado para o potencial das IGs na promoção do desenvolvimento territorial, quando
capaz de mobilizar e contemplar os interesses dos diferentes atores sociais, valorizando
produtos, práticas, saberes e identidades do território. Mas também tem apontado para
diversos casos em que estas experiências se configuraram apenas como estratégia meramente
setorial e excludente socialmente, beneficiando um restrito clube de atores. Assim, esta
pesquisa ocupou-se de investigar a experiência da primeira Denominação de Origem
brasileira, a DO Litoral Norte Gaúcho para o Arroz. Concedida em 2010, a DO certificou uma
península de 300 km entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico que possui condições
climáticas singulares para o cultivo do arroz irrigado, abrangendo onze municípios do Litoral
Norte do RS. Assim, objetivou-se descrever a trajetória de construção e obtenção da
Denominação de Origem, identificando os principais atores, instituições e grupos sociais
implicados neste processo, suas relações e interesses, bem como as dificuldades, conflitos e
potencialidades envolvidos na obtenção da Denominação de Origem. Correlatamente também
se buscou identificar eventuais repercussões no processo de promoção do desenvolvimento
territorial no Litoral Norte Gaúcho. Para tanto, metodologicamente procedeu-se a compilação
e análise de material disponível em fontes secundárias, bem como incursões ao território do
Litoral Norte Gaúcho para observações, registros de campo e realização de entrevistas semiestruturadas
com informantes-chaves. Pode-se considerar que a experiência da DO Litoral
Norte Gaúcho para o Arroz ainda não alcançou elementos suficientes que indiquem estar
promovendo um processo de desenvolvimento territorial a partir da abordagem de IGs, dado o
seu caráter ainda marcadamente setorial, manipulado por um clube de atores, de modo que
sua repercussão permanece restrita do ponto de vista social, econômico e ambiental no âmbito
do território estudado.