Língua, sujeito e história: implicações da noção de função-autor na produção dicionarística de Caldas Aulete
Resumo
Neste trabalho, temos por objetivo a análise do funcionamento da noção função-autor nos prefácios do Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa (DCA), de Francisco Júlio Caldas Aulete, publicado entre os anos de 1881 e 1986. Para o desenvolvimento desta pesquisa, tomamos como objeto de estudo o dicionário e como corpus de análise os prefácios das oito edições do DCA, três edições portuguesas 1881, 1925 e 1948 e cinco edições brasileiras 1958, 1964, 1974, 1980 e 1986, sob a luz dos princípios teórico-metodológicos da Análise de Discurso em consonância com a História das Ideias Linguísticas, tal como ambas foram concebidas na França e como vêm sendo desenvolvidas no Brasil. O gesto de interpretação sobre os prefácios nos conduziu a dois pontos primordiais para compreender o funcionamento da função-autor. O primeiro ponto refere-se ao processo de colonização/descolonização linguística no Brasil e, o segundo, à constituição dos dicionários em redes de memória. Sobre o primeiro ponto, as análises realizadas nos levaram a compreender que as edições portuguesas do DCA primam pela unidade linguística do português, pois se procura a gramatização de uma só língua, a língua portuguesa, e as edições brasileiras são determinadas pela diversidade; observamos que há, em alguns casos, a inclusão de brasileirismos e, em outros momentos, a gramatização de uma língua pautada nos moldes brasileiros. Nesse processo, ganha destaque a função-autor no DCA, pois, na medida em que se tem a elaboração de um dicionário, visa-se também a sua constituição, formulação e circulação; é nessas relações que entra em funcionamento a função-autor, pois, no processo de constituição dos sentidos, temos a interpelação do indivíduo em sujeito, a constituição de sua forma-sujeito histórica e os efeitos que produz a partir de sua posição-sujeito no discurso; no processo de formulação, temos a relação do discurso com o texto, que atualiza a memória em presença, a individua(liza)ção do sujeito pela sua função-autor; na circulação, temos o funcionamento das circunstâncias de enunciação e os sujeitos sociais que assumem a função-autor em seus percursos, nos diferentes lugares, seja em Portugal, seja no Brasil. Além disso, a constituição dos dicionários em redes de memória, em que um dicionário remete a outros já publicados, também determina o funcionamento da noção de função-autor, pois, na medida em que outros e novos instrumentos linguísticos vão sendo constituídos e publicados, outras e novas são também as posições de sujeito. Isso se deve aos diferentes discursos em circulação na sociedade, às diferentes condições de produção desses discursos, bem como à forma de o sujeito se significar e significar a sua língua.