Do enfrentamento e da vivência com o câncer: a avaliatividade no discurso do sofrimento
Resumo
Pela linguagem, representamos, de várias maneiras, nossas reações emocionais. Dessa forma, a verbalização da experiência humana assume a realização do sistema de construção de significados. Nessa perspectiva, sob a luz da Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY; HASAN, 1989; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004) e, especialmente, do Sistema de Avaliatividade (MARTIN; WHITE, 2005), investigamos as marcas avaliativas recorrentes no discurso de sujeitos que experienciam o câncer. Nesse sentido, o enfoque desta pesquisa recai sobre a valoração semântica do discurso do sofrimento, sustentada pelo arcabouço teórico de Martin e White (2005). O objetivo deste trabalho é mapear quais escolhas lexicais e recursos atitudinais constroem, pela recorrência, o discurso de pessoas que vivenciam o câncer. O corpus é constituído por 10 entrevistas coletadas do portal Oncoguia, do link Aprendendo com Você . Neste contexto, as entrevistas assumem grande relevância social, no sentido humanístico, como compartilhamento de experiências, pois atuam quebrando isolamentos grupais, individuais, sociais; pode também servir à pluralização de vozes e à distribuição democrática da informação (MEDINA, 2008, p. 8), especialmente por se tratar de uma situação de grande fragilidade. Os procedimentos metodológicos compreendem as seguintes etapas: (1) elaboração de uma lista de palavras, por meio do recurso WordList (SCOTT, 2008); (2) identificação e quantificação das categorias léxico-gramaticais mais recorrentes; (3) identificação e categorização dos subsistemas semânticos de afeto, de julgamento e de apreciação; (4) análise semântico-interpretativa dos dados. Os resultados apontam para a grande recorrência das categorias de julgamento de tenacidade e de capacidade positivas, seguidas de afeto por insegurança. Pelas ocorrências de julgamento fica evidente que a superação é palavra de ordem para os experienciadores, que estão determinados a enfrentar e vencer o câncer, posto ser essa a única maneira de não se submeter à mortalidade. As ocorrências de afeto, com foco no campo semântico de insegurança, indicam que a vivência do sofrimento desencadeia sentimentos de vulnerabilidade e desesperança, trazendo grande pesar pelo medo da finitude da vida. As investigações do nível léxico-gramatical, mais especificamente na metafunção ideacional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004) evidenciam frequência de marcas lexicais em primeira pessoa, de processos relacionais (principalmente ser ) e de intensificadores, o que contribui para a manifestação da experiência dolorosa por que passam os entrevistados.