Uma herança de direitos abstratos: o discurso integracionista no estatuto do índio (1973) e seus efeitos de sentido
Resumo
Desenvolvendo nossa dissertação de mestrado em Estudos Linguísticos, em consonância com o arcabouço teórico e metodológico da Análise de Discurso (AD) que vem sendo desenvolvida no Brasil com ancoragem nas reflexões de Michel Pêcheux, debruçamo-nos sobre a Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, também designada como Estatuto do Índio, sancionada durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira com o autodeclarado propósito de preservar a cultura dos povos indígenas e promover a sua integração progressiva à comunhão nacional. Com foco sobre os processos de produção de sentidos, é através da filiação materialista da AD que foi possível articular estas reflexões, em conjunto com noções teóricas tais como ideologia, memória, discurso do Direito, sujeito de direito, capacidade e incapacidade civil, política e dominação do sujeito. Como desdobramento dessa articulação, buscamos compreender quais os efeitos de sentido que derivam de integração no discurso que se constitui no/pelo Estatuto do Índio através da tutela estabelecida nesta legislação, que vem a determinar indígenas cerceados de direitos civis ou plenos de sua capacidade civil ao serem considerados integrados ou isolados à dita comunhão nacional. Perseguindo essa inquietação, realizamos uma busca em legislações nacionais desde a emancipação do país do domínio português até a elaboração de nosso objeto. Destacamos para análise a Lei de 27 de outubro de 1831, o Código Civil, de 1º de janeiro de 1916, o Decreto 5484, de 27 de junho de 1928, a Constituição Federal de 1934, a Constituição Federal de 1946 e a Constituição Federal de 1969 para traçarmos quais os ecos reverberam a constituição de um discurso de integração no Estatuto enquanto materialidade discursiva constituída pelo histórico. Tomamos a noção de arquivo (PÊCHEUX, [1988] 2014) como procedimento teórico-metodológico de tratamento dos materiais e desse arquivo foram recortadas (ORLANDI, 1984) as sequências discursivas que compõe nosso corpus de análise que, por sua vez, foram organizadas em função de suas relações, ora parafrásticas ora reiteradas. Ao longo das reflexões teórico-analíticas acerca do objeto, compreendemos esse discurso como materialização da dominância estatal e o designamos (GUIMARÃES, 2005) enquanto um discurso integracionista de funcionamento dual. O funcionamento dessa dualidade do discurso do/no Estatuto e os efeitos de sentido que derivam disso se dão em função de que mesmo o Estado se empenhando através de um imaginário protecionista para integrar os povos indígenas, afasta-os da concepção de unidade, uma vez que aqueles considerados integrados não dispõem de um patamar de cidadania. Não havendo uma retaliação ao Estado do que esse deve enquanto litígio (RANCIÈRE, 1996), se compõe um percurso de sentidos que leva a uma questão de constituição sujeito indígena, atravessada por interdições da ordem do jurídico as quais vem a ser compreendidas como um processo de dominação (RANCIÉRE, 1996) materializado na língua de madeira talhada pela língua de ferro do Estado (GADET; PÊCHEUX, 2010).
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