Dualismos e dualidades nas experiências umbandistas em um terreiro no Rio Grande do Sul
Abstract
Este trabalho é resultado de uma etnografia, realizada num terreiro de Umbanda Esotérica no interior do Rio Grande do Sul, durante os anos de 2012 e 2013, e busca refletir sobre as contradições entre sistematizar e praticar a mediunidade. Percebendo-a como uma relação entre matéria/corpo e espírito nos defrontamos com os dualismos, que efetuam uma separação entre ambos, e com as dualidades, que os articulam em uma tensão. Em campo, observamos um discurso dualista que estabelece uma hierarquia na qual o espiritual é superior ao material, enquanto suas práticas – as experiências da incorporação – nos levam a questionar e repensar tal hierarquia, percebendo-as como dualidades. Sendo assim, interpretamos este sistema religioso também como um modelo terapêutico, já que suas práticas provocam curas, transformações, metamorfoses. Esta interpretação parece por em questão a distinção secular entre ciência e religião. Tal questionamento está presente no encontro etnográfico das experiências da pesquisa com as experiências religiosas de uma pesquisadora/nativa. Em vista disso, trabalhamos com a hipótese das metamorfoses serem iniciadas por um processo de espiritualização do material e materialização do espiritual que desencadea uma série de estranhamentos inerentes as liminaridades presentes nas trocas de estatutos dos médiuns, colocando-os frente aos seus próprios limites. Estas mudanças de estatuto, além de transformarem o próprio médium, provocam mudanças no coletivo do terreiro, levando-nos a refletir sobre o conceito de “communitas”. Descrevemos tal processo, na primeira parte desta dissertação, quando expomos o contexto no qual se insere o terreiro, sua fundação a partir de um médium que se torna “cacique-chefe” e a construção e transformações no espaço físico do grupo. O posicionamento deste líder religioso e do seu grupo, frente ao seu contexto, é descrito na segunda parte, quando traçamos uma genealogia do terreiro. Ao analisar sua origem, encontramos múltiplas umbandas que disputam ideologicamente por sua legitimidade através de cosmologias que se filiam ora a discursos Kardecistas, ora a tradições africanas. Desse modo, o grupo cria para si a imagem de “Umbanda do conhecimento”, promovendo estudos que, tensionados com a prática, desafia este grupo a articular as “doutrinas” ao “pé no chão do terreiro”. Este desafio se parece muito com aquele que Vagner Gonçalves Silva elabora como “A magia do antropólogo” ao tentar explicitar teoricamente o que estes aprendem no estudo em terreiros. O aprender, o estudar e o experimentar somam-se a quarta parte desta escrita e levam-nos a interpretar as experiências dadas pela mediunidade neste terreiro como um modelo de cura em que o doente torna-se agente dela. Dessa forma, elaboramos a ideia de “estar no corpo” como um processo de metamorfose em que a materialidade e a espiritualidade parecem se articular para transformar o sofrimento em algo que faz o médium prosperar. Por fim, abrimos nossas interpretações apontando para o aspecto técnico das dualidades e dos dualismos nas experiências, pois “estar no corpo” engloba tanto respostas singulares de “ser o corpo”, como também o torna um objeto manipulável – “ter um corpo” – por uma técnica do corpo.
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