Melancia é fruta? Um estudo sobre encontros e desencontros nas relações médico pacientes em Jaguari - RS
Resumo
A relação médico-paciente se constitui num encontro de representações de
dois sujeitos, muitas vezes separados cultural e socialmente. O ator social age à
medida que interpreta o mundo à sua volta e essa interpretação se dá conforme a
apreensão de uma realidade socialmente constituída, segundo seu sistema de
valores, suas crenças e percepções. Pacientes entendem simbolicamente a doença,
em função de suas atividades e seus cotidianos, de seus mundos e experiências e
como a vivem a interpretam. Os médicos se baseiam em nossa cultura ocidental, no
modelo biomédico hegemônico, construído sob as bases do cartesianismo, na
dicotomia mente-corpo e na racionalidade científica. Essa pesquisa procurou
compreender as percepções dos pacientes a respeito da sua doença, das causas de
seu adoecimento, se sente-se cuidado, se acredita na cura e como o paciente viu
atendidos anseios e expectativas que o levaram até a consulta. Para dar conta
desse objeto utilizou-se a metodologia qualitativa, sendo a entrevista semiestruturada
o instrumento de coleta de dados e a observação em sala de espera um
importante auxílio no entendimento do objeto. A análise das falas baseou-se no
método do Discurso do Sujeito Coletivo, de Lefrèvre & Lefrèvre, onde são extraídas
as ideias-centrais e as expressões-chave das falas e constituído o Discurso Coletivo.
Pode-se observar que os pacientes obedecem a seus médicos porque acreditam
na autoridade técnica e moral que possuem na relação. As orientações médicas são
seguidas em sua maioria, exceto quando entram em conflito com o cotidiano dos
pacientes e esses não conseguem seguir as orientações por limitações econômicas
ou de entendimento das orientações. Embora os usuários da unidade de saúde
pesquisada teçam críticas em relação ao tipo e à forma de atendimento médico que
são construídos durante a relação médico-paciente, são estes mesmos pacientes
que reconhecem como legítima a prática médica tradicional . Desse modo, a
definição do que representa o tipo ideal de profissional da medicina, ou seja, quem
os informantes definem como sendo o bom médico, refere-se àquele profissional
que se mantém distante durante a consulta, o qual utiliza uma linguagem técnica e
que não estabelece uma relação de proximidade e de contato corporal com o
paciente, ou seja, que representa uma autoridade social, legitimidade pelo Estado e
pela própria sociedade.