Ganhando na loteria e temendo perder o prêmio: a experiência de famílias rurais ao ter a mãe/esposa sobrevivente de câncer de mama
Abstract
Com as transformações do novo rural brasileiro, a família vem passando por adaptações em seu
cotidiano e recriando cenários socioculturais e interacionais. Essas mudanças podem ser
percebidas nos arranjos e no funcionamento familiar. Para a família que reside em área rural, este
é o lugar onde suas interações e experiências acontecem. Os movimentos que a família rural
realiza no momento em que tem um familiar doente de câncer se ampliam e refletem a vida
sociocultural dessas pessoas. O diagnóstico de câncer de mama da mãe/esposa pode constituir-se
em um desafio para a família, que tem de enfrentar a doença, lidar com as demandas do
tratamento e as incertezas do prognóstico. Finalizar com sucesso o tratamento e ter a mãe/esposa
considerada curada significa uma nova etapa na vida familiar. Nesse sentido, constituem-se como
objetivos deste estudo compreender a experiência das famílias rurais ao ter a mãe/esposa
sobrevivente de câncer de mama bem como elaborar um Modelo Teórico representativo da
experiência familiar ao ter a mãe/esposa sobrevivente de câncer de mama. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa e descritiva, orientada pelo referencial teórico do Interacionismo Simbólico e
pelo referencial metodológico da Teoria Fundamentada dos Dados (TFD). Participaram do estudo
41 membros de seis famílias rurais residentes na microrregião de Marau/RS/Brasil, que tinham a
mãe/esposa sobrevivente de câncer de mama. Os dados foram produzidos mediante entrevista
aberta e construção do genograma familiar. O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria sob o número 13105413.2.0000.5346. A análise
dos dados foi realizada de acordo com o Método Comparativo Constante da TFD, que resultou na
elaboração do modelo teórico representativo da experiência de famílias rurais ao ter a mãe/esposa
sobrevivente de câncer de mama, definido pelas categorias centrais RECONHECENDO-SE
COMO UMA FAMÍLIA VITORIOSA e (NÃO)ACREDITANDO NA SOBREVIVÊNCIA DO
CÂNCER DE MAMA e na organização de oito categorias que se inter-relacionam e constituem a
experiência: Revivendo experiências de adoecimento (1); Procurando realizar o tratamento o
quanto antes (2); Mantendo o diagnóstico em segredo (3); Tendo que lidar com sentimentos
contraditórios (4); Tendo repercussões na família com a experiência (5); Definindo o adoecimento
por câncer (6); Recorrendo às crenças espirituais e religiosas (7); e Esperando pelos cinco anos
(8). Conclui-se que a experiência constitui-se em um processo que ocorre em uma linha de
tempo percorrida pelas famílias antes mesmo de vivenciar o adoecimento da mãe/esposa no
núcleo da família. A experiência das famílias rurais ao ter a mãe/esposa sobrevivente de câncer de
mama pode ser descrita como resultante de um movimento constante, interativo e integrado em
que a família se reconhece como uma família vitoriosa, que ganha na loteria ao ter a mãe/esposa
considerada curada, mas que, pelo medo da recidiva, teme perder o prêmio e vive sentimentos de
ambiguidade ao (não)acreditar na cura do câncer.