“Se dez vidas tivesse, dez vidas daria”: O Movimento Revolucionário Tiradentes e a participação da classe trabalhadora na resistência (1964-1971)
Resumo
A participação da classe trabalhadora no processo de resistência à Ditadura de Segurança Nacional tem sido majoritariamente silenciada pela historiografia que trata o tema. Colocada em segundo plano, tem-se fortalecido uma representação da resistência que projeta como protagonistas da História jovens estudantes das classes médias, imersos em uma aventura quixotesca contra o poder ditatorial estabelecido. Sem possibilidade de êxito e sem a capacidade de compreender a realidade que pretendiam revolucionar, as organizações guerrilheiras que conduziam a resistência armada seriam supostamente fruto do voluntarismo de intelectuais e da ausência da participação efetiva de trabalhadores. Entretanto, a classe trabalhadora esteve presente na resistência desde o Golpe de 31 de março de 1964, organizando em diversas cidades, de várias regiões do Brasil, paralisações e greves contra a deposição do governo constitucional de João Goulart. Quando a Ditadura dava clareza de que servia aos interesses das classes dominantes brasileiras, reprimindo e desorganizando os sindicatos, a classe trabalhadora deu passos rumo a sua reorganização, criando, através da atuação paralelista, comissões e comitês de fábrica que estabeleciam redes de solidariedade entre as categorias profissionais de uma mesma região, em um processo catalisado pela luta contra o arrocho salarial que levou a grandes manifestações e a grandes greves de Contagem e Osasco no ano de 1968. Com as limitações impostas pelo AI-5, editado no fim de 1968 em resposta à reorganização da classe trabalhadora, restou, como estratégia de enfrentamento direto que possibilitasse a vitória em curto prazo da Ditadura de Segurança Nacional, a inserção à resistência armada, na qual diversos trabalhadores iriam atuar, inclusive em posições de destaque. O Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) foi um exemplo de organização majoritariamente composta por militantes oriundos da classe trabalhadora, colocando em prática ações revolucionárias que buscassem financiar a implantação da guerrilha no campo, mas também sabotar pontos estratégicos para a Ditadura, e minar a imagem de ―democracia‖ e legitimidade que o Estado ditatorial tentava imprimir. Com uma estrutura interna que se adaptou aos acontecimentos da época e com princípios norteadores estabelecidos, o MRT participou de ações de expropriação, panfletagem, propaganda, sequestro do cônsul japonês em São Paulo e o ―justiçamento‖ do industrial Henning Boilesen, em resposta ao assassinato de sua principal liderança, Devanir José de Carvalho, ocorrida em abril de 1971 quando a organização já se encontrava cercada pelos órgãos de repressão.