A ação anti-inflamatória do lítio é influenciada por fatores genéticos, nutricionais e fármacos antidepressivos: estudos in vitro
Resumo
O envelhecimento populacional aumentou a prevalência de doenças crônicas não-transmissíveis, incluíndo transtornos psiquiátricos como a depressão e transtornos do espectro bipolar (TEBs). Evidências sugerem que tais transtornos estão associadas a processos crônicos de inflamação e estresse oxidativo. O Lítio, é um dos principais fármacos da clínica psiquiátrica, e seu principal mecanismo de ação é anti-inflamatório por inibição da enzima GSK-3β. Entretanto, cerca de 40% dos pacientes não respondem a terapia com Lítio satisfatoriamente. E, essa falta de resposta pode envolver polimorfismos genéticos, ou ainda interação fármaco-alimento, ou fármaco-fármaco. Diante disso, nesse trabalho damos ênfase a ação do polimorfismo Val16Ala-SOD2 que causa desbalanço entre os níveis de Superóxido e peróxido de Hidrogênio e está envolvido com o metabolismo oxidativo e inflamatório. Moléculas bioativas como xantinas e catequinas presentes nos alimentos, que possuem efeito anti-inflamatório e antioxidante, e portanto, as mesmas também poderiam influenciar a resposta farmacológica ao lítio. E a interação lítio- antidepressivos, muitas vezes utilizada em TEBs. Assim, o objetivo desse estudo foi avaliar in vitro a influência de fatores genéticos, nutricionais e interação farmacológica com antidepressivos na resposta anti-inflamatória do lítio. Três delineamentos experimentais foram conduzidos. O primeiro trabalho avaliou que a influência da resposta anti-inflamatória ao Lítio de células mononucleares do sangue periférico (CMSPs) através de dois estudos complementares. Inicialmente foi conduzido um estudo que buscou confirmar que tal variação genética poderia causar resposta inflamatória diferenciada avaliando o perfil da imunosenescência destas células. Para tanto, CMSPs foram obtidas de voluntários com diferentes genótipos Val16Ala-SOD2 e foram cultivadas durante 15 passagens celulares (60 dias), em condições padronizadas. A cada passagem as CMSPs foram ativados com fitohemaglutinina (PHA), um antígeno que desencadeia resposta inflamatória. Cada passagem foi iniciada com uma concentração de 1 x 105 células. A taxa de proliferação celular a cada passagem foi determinada via ensaio espectrofotométrico do MTT e, eventualmente pela análise do ciclo celular por citometria de fluxo. Também foram analisados marcadores pró- inflamatórios e marcadores oxidativos. Realizamos um segundo estudo, que avaliou a influência do polimorfismo Val16Ala-SOD2 na modulação da enzima GSK-3β pelo Lítio através da análise da expressão gênica via qRT-PCR e dos níveis de proteína via imunoensaio ELISA. Também realizamos análises com a linhagem comercial de macrófagos RAW 264.7, a fim de confirmar os resultados obtidos em CMSPs. Para simular o desbalanço S-HP foi utilizado suplementação das culturas com paraquat gerando células VV-like (com níveis elevados de superóxido) e porfirina gerando células AA-like (com níveis elevados de PH). O segundo protocolo deste trabalho avaliou o potencial efeito isolado e de uma mistura das xantinas e catequina na resposta anti-inflamatória do lítio em macrófagos RAW 264.7, através da análise de marcadores oxidativos e inflamatórios. Por fim, o terceiro protocolo avaliou o efeito da interação entre o Lítio Imipramina, Nortriptilina, Fluoxetina e Escitalopram também utilizando macrófagos RAW 264.7 como modelo experimental. Neste último protocolo, foi criado um índice inflamatório (IF) a fim de agregar os resultados obtidos. A fim de validar o IF, foi conduzida uma análise similar às das células in vitro, em um banco de dados com 154 voluntários. Essa análise adicional permitiu avaliar a acurácia do IF e sua potencial similaridade com situações inflamatórias que ocorrem in vivo. Nos estudos in vitro os resultados foram comparados por análise de variância (de um a ou duas vias, conforme o caso) seguida de post hoc de Dunnet, Tukey ou Bonferroni, conforme o caso. No estudo in vivo foi realizada uma curva Roc a fim de avaliar se o IF era representativo de um estado inflamatório real. Um padrão de imunosenescência foi observado em todas as culturas até a 15ª passagem, quando ocorreu uma interrupção no ciclo celular na fase G0/G1. Entretanto, antes disso, a partir da 10ª passagem celular, ocorreu um estado de hiperativação inflamatória com altas taxas de proliferação celular e aumento nos níveis das citocinas pró-inflamatórias e dos marcadores oxidativos. Apesar deste padrão geral, CMSPs AA apresentaram maior intensidade na resposta
inflamatória inicial, enquanto que CMSPs VV tenderam a manter por mais tempo a resposta inflamatória. Portanto, o conjunto destes resultados corroborou a sugestão de que o desbalanço S-PH tem influência direta na modulação da inflamação. O segundo estudo do primeiro protocolo observou que, o desbalanço S-PH, tanto geneticamente determinado pelo polimorfismo Val16Ala-SOD2 quanto farmacologicamente induzido influenciou a resposta anti-inflamatória do Lítio via modulação da enzima GSK-3β. O desbalanço induziu um efeito anti-inflamatorio mais intenso do lítio em células AA ou AA-like. No segundo protocolo, que avaliou o efeito de fatores nutricionais na ação anti-inflamatória do Lítio, especialmente a mistura de xantinas-catequina intensificou a resposta anti-inflamatória do Lítio via diminuição nos níveis das citocinas pró-inflamatórias, aumento nos níveis da IL-10 e diminuição de marcadores oxidativos. Por fim, o último protocolo investigou a influência da interação entre o Lítio e os antidepressivos. O IF foi validado via análise da curva ROC mostrou que o IF é um índice acurado em relação a inflamação com uma área sobre a curva (AUC) de 0,803 (intervalo de confiança a 95% de 0.715-0,890). Valores do IF > 2,0 em relação a níveis de Proteína C Reativa > 0.6 μg/mL apresentaram uma sensibilidade de 0,915 e especificidade de 0,486. Já a interação com antidepressivos, mostrou que quando o Lítio está associado a Imipramina, ou Nortriptilina ou Fluoxetina, ocorre uma intensificação do efeito anti-inflamação, com uma diminuição do IF, entretanto a associação com o Escitalopram induz a efeitos pró-inflamatórios, com um aumento no IF indicando efeito pró-inflamatório desta interação. Em síntese, apesar das limitações metodológicas relacionadas aos estudos in vitro, o conjunto dos resultados confirmou que o Lítio possui efeito anti-inflamatório importante, mas que este efeito não é universal, uma vez que ela pode ser influenciado por fatores genéticos, nutricionais e mesmo pela interação com fármacos antidepressivos. Esses resultados podem ser relevantes na clínica psiquiátrica.
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