Traçados, cores e riscos: etnografia de uma cidade redesenhada pela pichação/graffiti
Resumo
Busca-se, nesta pesquisa, a realização de uma etnografia sobre pichação/graffiti em Santa Maria, tema controverso e recorrente no debate público local. Trata-se de compreender como são construídas as visibilidades/invisibilidades da pichação/graffiti, as lutas semânticas em torno da construção da inteligibilidade dos acontecimentos acerca da cidade pichada/grafitada. Como objetivos específicos temos: traçar os contornos das regularidades, dos elementos que dão forma aos pichadores/grafiteiros como grupo, suas corporeidades, reciprocidades, valores e motivações; compreender a lógica dos sistemas classificatórios acerca da dicotomia entre os termos pichação e graffiti no debate público local; entender os conflitos e negociações, intra e extra grupo, nessas disputas de sentidos em torno da cidade pichada/grafitada, protagonizadas pelas seguintes forças sociais: pichadores/grafiteiros, Estado (instituições públicas), empresas/proprietários de imóveis pichados/grafitados e jornais/intelectuais/artistas locais; refletir sobre as tensões e a coprodução do olhar etnográfico na interação entre pesquisador e interlocutores da pesquisa. Em termos teóricos, esta etnografia dialoga com autores como Clifford Geertz (1978), Néstor García Canclini (1997), Jacques Rancière (2005), Lévi-Strauss (2002), Eduardo Viveiros de Castro (2008), Gilberto Velho (1978) e José Magnani (2005). Metodologicamente, lança-se mão da observação participante, do convívio próximo e prolongado (de 2014 a 2017) entre os pichadores/grafiteiros (24 indivíduos), o que inclui interação nas ruas, no ciberespaço e, até mesmo, compartilhamento de moradia com um deles durante seis meses. Conseguiu-se, com esse aporte teórico e com o trabalho de campo, vislumbrar as inversões, as recombinações e os transbordamentos semânticos das categorias binárias (legal/ilegal, limpo/sujo, certo/errado, luz/sombra, belo/feio, visível/invisível, centro/periferia, etc.) do ato universal de classificar. Com e contra os pichadores/grafiteiros estão o Estado (instituições públicas); as empresas/proprietários de imóveis pichados/grafitados e os comunicadores/intelectuais/artistas locais. Cada uma dessas quatro forças sociais tenciona com as demais, interage em uma lógica de conflito e negociação, possui contradições internas, vias de mão dupla nesses encontros discordantes acerca da cidade pichada/grafitada. Em e entre cada uma dessas forças sociais há diferentes maneiras de construir a inteligibilidade dos acontecimentos, algumas com base em certas dicotomias, no sentido de fomentar a criminalização da prática ilegal, enquanto outras constroem a visibilidade/invisibilidade da pichação/graffiti no sentido de problematizar a criminalização, de transbordar, desordenar e reordenar os sistemas de classificação binários, e/ou promover a prática. Do ponto de vista do processo de interpretação dessas teias de significados, de coprodução do olhar etnográfico, a pichação/graffiti acaba aparecendo como uma espécie de arco narrativo autobiográfico, uma alegoria demarcadora de inflexões na percepção dos sentidos de viver a cidade e na trajetória de vida do próprio pesquisador.
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