O romance estilhaçado: La vida en las ventanas, de Andrés Neuman e Berkeley em Bellagio, de João Gilberto Noll
Resumo
A partir da segunda metade do século XX, o Ocidente passa a registrar mudanças significativas na esfera social, política, econômica, ideológica e cultural. Para muitos estudiosos, uma das consequências centrais dessas mudanças é a consolidação de um mundo globalizado, de fronteiras e identidades nacionais enfraquecidas, ou dissolvidas, e carente de grandes narrativas de cunho utópico e homogeneizante. Tal realidade globalizada parece repercutir na instância da produção cultural e, portanto, literária. Um dos sinais dessa repercussão tende a ser o aparecimento de certas narrativas que, ao se distanciarem das modalidades mais expressivas manifestadas pelo romance ao longo da modernidade, solicitam da crítica literária a definição de novos parâmetros de análise e interpretação. Dois exemplos, entre outros, de relatos que parecem exibir um distanciamento em relação às grandes expressões do romance na modernidade são La vida en las ventanas, do escritor hispano-argentino Andrés Neuman e Berkeley em Bellagio, do autor João Gilberto Noll. Partindo do pressuposto de que estas narrativas apresentam vínculos com a atmosfera social, existencial e espiritual que se desenha, no Ocidente, a partir da segunda metade do século passado, este trabalho busca explicitar, a partir da análise de ambas as narrativas, que o entendimento do sentido estético e cultural desses relatos depende da delimitação de parâmetros de análise e interpretação diferenciados dos que foram elaborados ao longo da modernidade para o gênero romance. Nesse sentido, o trabalho estrutura-se a partir da revisão de posicionamentos relevantes da crítica literária da Espanha e do Brasil na atualidade; da recuperação das teorias do romance elaboradas por autores como Lukács, Féher, Bakhtin, entre outros, e da revisão e discussão do pensamento de autores que tratam de explicar as particularidades da fase histórica ocidental posterior à Segunda Guerra Mundial, como Vattimo, Jameson, Anderson, Habermas, Lasch, etc. Conclui-se, a partir da análise das obras, que os motivos que impulsionam a criação romanesca na contemporaneidade diferem dos que motivaram sua formalização ao longo da modernidade, fator que leva o romance a registrar modificações formais e a requerer outros dispositivos analíticos e interpretativos.