Hoje é dia de visita: o testemunho carcerário brasileiro do início do século XXI
Resumo
Em um Brasil cindido por forças antagônicas, alimentadas, por um lado, pela crescente luta de determinados grupos pelo respeito a seus direitos fundamentais e, por outro, pelas dimensões conservadoras e reacionárias que ocupam um lugar hegemônico em quase todos os setores da vida social, política e cultural, surge uma produção literária que catalisa essas tensões na forma de discurso narrativo. Modesto, sem a presunção de explicar os fenômenos de exclusão social e sem o glamour da palavra que pode se dar ao luxo de transformar a realidade cotidiana em puro deleite, o gênero testemunho se fixa no mercado editorial brasileiro ao lado de outras tantas vertentes da heterogênea literatura contemporânea. Oriundos de uma tradição latinoamericana engajada em resgatar a voz e as versões da história dos grupos que viram a sua visão de mundo negligenciada desde a colonização do continente, alguns testemunhos do início do século XXI voltam-se para a representação das experiências de vida de presidiários comuns, utilizando-se dos mais variados recursos narrativos que extrapolam a velha dicotomia realidade/ficção; função comunicativa/função estética. O corpus deste trabalho, em específico, são as narrativas Memórias de um sobrevivente, de Luiz Alberto Mendes; Cela forte mulher, de Antonio Carlos Prado; e Estação Carandiru, de Drauzio Varella, produzidas a partir da experiência real dos autores dentro da detenção e preocupadas, fundamentalmente, em fazer emergir a voz e a perspectiva dos detentos. O objetivo inerente a esses relatos é devolver a existência (ao menos na esfera da cultura) àqueles cuja experiência, negada pelos setores hegemônicos da sociedade, é a peça fundamental no debate acerca da violência e da segurança pública. O ponto de partida deste trabalho é, portanto, a representação do debate político-cultural na narrativa testemunhal sobre as vidas dos sujeitos condenados por crimes comuns, constituído por estas duas grandes forças: de um lado, uma prática comprometida e solidária com o resgate da complexidade da história tecida pela diversidade e pelo embate de visões de mundo e, de outro, uma visão hegemônica que briga para manter o seu lugar naturalmente confortável e aparentemente harmonioso. Tendo em vista esse contexto de disputas político-culturais, esta tese visa a compreender de que maneira os três testemunhos ocupam um lugar no debate acerca da criminalidade bem como do universo carcerário e contribuem para uma visão mais complexa e, também, mais humana, dos sujeitos representados, facultando ao leitor o desenvolvimento de um olhar mais empático para com a alteridade.