Patogênese dos carcinomas de células escamosas alimentares associados ao consumo de Pteridium aquilinum em bovinos
Resumo
Segundo a teoria da patogênese da síndrome papiloma-carcinoma, a formação do papiloma é o ponto crucial
para o desenvolvimento dos carcinomas de células escamosas (CCEs) no trato alimentar superior (TAS) de
bovinos. A partir da sua manutenção por longos períodos no TAS, devido aos imunossupressores presentes na
samambaia (Pteridium aquilinum), os ceratinócitos do papiloma em constante multiplicação se tornariam alvos
para os carcinógenos da planta promoverem a transformação carcinomatosa. Muitas evidências da síndrome
papiloma-carcinoma foram observadas in vitro. No entanto, elas ainda não foram totalmente comprovadas in
vivo. Os objetivos deste estudo foram, portanto, avaliar aspectos fundamentais da patogênese da formação dos
CCEs no TAS em bovinos que pastoreiam naturalmente por longos períodos áreas altamente infestadas por
Pteridium aquilinum. Para isso, 168 lesões epiteliais iniciais foram avaliadas no TAS de 60 bovinos com CCEs
alimentares provenientes de áreas com samambaia. Papilomas desenvolvidos perfizeram mais de 50% dos
papilomas estudados, com alguns em crescimento (18,5%), em transformação carcinomatosa (18,5%) e poucos
em regressão (9%). A transformação carcinomatosa de papilomas pode representar a evidência morfológica da
necessidade do papiloma para a formação de CCEs. No entanto, 72 lesões intra-epiteliais escamosas (SILs)
também estavam presentes no TAS desses bovinos. A maior parte das SILs (70%) representava lesões
displásicas moderadas, acentuadas e CCEs in situ, com quantidade significativa de CCEs em estágio inicial. Em
humanos, lesões semelhantes estão presentes em pacientes que abusam cronicamente do álcool/tabaco. As SILs
no trato aerodigestivo de humanos são potencialmente malignas e podem evoluir para CCEs. As SILs nos
bovinos do presente estudo podem, portanto, representar uma via alternativa de formação de CCEs no TAS, sem
a necessidade da transformação do papiloma em carcinoma. A necessidade do papiloma para a formação de
CCEs alimentares em bovinos também foi avaliada através da imuno-histoquímica. Trinta CCEs da região
cranial do TAS (incluindo base da lingual, faringe/orofaringe e epiglote) foram avaliados quanto à origem acinar
ou ductal salivar utilizando-se o anticorpo anti-citoceratinas 7/8 para epitélio simples. Dos 30 CCEs analisados,
nove tinham evidências morfológicas de transformação neoplásica proveniente de ducto salivar. Destes, um foi
confirmado pela imuno-histoquímica. Como o papilomavírus necessita de estratificação epitelial para a formação
do papiloma, a confirmação de CCE de origem ductal salivar simples sugere que também não haja a necessidade
do papiloma para o desenvolvimento de CCEs no TAS de bovinos que pastoreiam em samambaia.
Paralelamente, o grau de imunossupressão por linfopenia, supostamente necessária para a manutenção dos
papilomas, também foi avaliada nos casos espontâneos de CCE no TAS de bovinos de áreas com samambaia.
Papilomatose alimentar foi observada em todos os 40 casos estudados. No entanto, imunossupressão por
linfopenia foi incomum (três casos) e não estava relacionada com o grau de papilomatose. A ausência de
linfopenia em bovinos com papilomatose alimentar indica que os mecanismos para a manutenção dos papilomas
não estejam relacionados com a quantidade de linfócitos circulantes. Em conclusão, o presente estudo
demonstrou haver uma via alternativa para a patogênese dos CCEs do TAS de bovinos intoxicados cronicamente
por samambaia e que a papilomatose alimentar, vista nesses casos, não está associada com linfopenia.