"Sem medo de ser feliz na agricultura familiar": o caso do movimento de agricultores em Constantina - RS
Resumo
As contradições sociais no campo se fazem terreno fértil para mobilização de agentes questionadores da ordem e propagadores da transformação social. O objetivo desta dissertação foi caracterizar um movimento de agricultores familiares com atuação no município de Constantina-RS, observando-se, particularmente, o seu potencial de transformação social. Partindo das contribuições teóricas de autores como Touraine e Castells e da reconstituição da trajetória e das especificidades dos movimentos sociais no Sul do Brasil realizou-se um estudo de caso, com aproximação sucessiva do objeto de estudo, privilegiando-se a descrição da trajetória política, os processos de formação das identidades, os adversários sociais e os projetos de porvir. Este movimento surgiu em meados da década de 1980, como fruto da conjuntura de crise que passava a agricultura local e motivado pelo trabalho de base da Igreja Católica. Inicialmente, o movimento assumiu uma postura de oposição às forças políticas hegemônicas e, pela conquista do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, juntou-se às forças populares que buscavam extensão dos direitos de cidadania, políticas públicas e democratização. Tomou iniciativas de fomento da diversificação produtiva, de experiências de agricultura alternativa e de formação de associações de cooperação agrícola, deflagrando um processo de resistência à agricultura especializada. Na primeira metade da década de 90, frente às políticas neoliberais, manteve a tática de resistência, assumiu a identidade (de resistência) de pequeno agricultor e tomou a iniciativa de construir uma cooperativa de produção, visando suprir a ausência de políticas do Estado e aumentar as possibilidades de reprodução sócio-econômica dos agricultores. Recentemente (a partir da segunda metade da década de 90), as mudanças institucionais e políticas têm favorecido uma relação de diálogo e cooperação do movimento com alguns setores do Estado. Esta nova relação com setores estatais possibilitou o aumento significativo das políticas públicas e uma mudança na estratégia do movimento, que passou a adotar uma identidade de projeto ( agricultor familiar ). Esta nova condição é interpretada, por este trabalho, como uma ressignificação positivada da pequena agricultura na agricultura familiar . O potencial de transformação do movimento é identificado, principalmente, na renovação cultural, que valoriza socialmente o modo de vida e de produção da agricultura familiar, o que tem possibilitado a afirmação deste setor social como um dos principais agentes da produção agrícola do Brasil. No entanto, também se constata que a nova estratégia promove a secundarização do projeto de transformação da estrutura social (superação do capitalismo) e esta nova situação tem provocado atritos com outros atores sociais populares que eram antigos aliados. Estes atritos provocaram a diferenciação das estratégias dos principais movimentos sociais do campo, no Sul do Brasil, a saber: Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar da Região Sul (FETRAF-Sul) e Via Campesina. A diferenciação de estratégias traduz-se em disputas entre os movimentos e as disputas fazem-se presentes no condicionamento da atuação do movimento dos agricultores de Constantina.