A escada e o místico: como entender um contrassenso?
Resumo
O objetivo da presente dissertação é analisar a reivindicação do penúltimo aforismo do
Tractatus Logico-Philosophicus, segundo a qual as proposições do livro elucidam, caso o
leitor entenda o seu autor e reconheça que elas não fazem sentido, pois são absurdas. Assim, o
trabalho tenta colocar em relevo algumas das questões centrais da disputa entre as correntes
interpretativas, observando os aspectos problemáticos de cada linha de interpretação, bem
como o modo segundo o qual seus partidários articulam suas ideias contra as perspectivas de
seus adversários. Para tanto, analisa-se as duas interpretações do aforismo 6.54. Para a leitura
padrão, Wittgenstein aborda assuntos que a própria obra afirma serem inefáveis, mas há um
substrato de verdades que subsiste a reivindicação de contrassensualidade. Se a leitura padrão
é correta, ao cabo do processo elucidativo o leitor alcança uma perspectiva logicamente
correta do mundo, e fica de posse de algumas verdades que somente se mostram no uso
legítimo da linguagem. Já para a leitura revisionista, não há nenhum sentido oculto sob a obra,
mas apenas e tão somente contrassensos, que não dizem nada. O processo de elucidação se
constitui um exercício filosófico-terapêutico. Se correta, a interpretação revisionista propõe
que o objetivo da obra é uma mudança no modo de ser do leitor em sua relação com
contrassensos. Nesse sentido, a partir da leitura revisionista de Michael Kremer sustenta-se
uma aceitação da contrassensualidade da obra em consonância com uma compreensão
positiva para os contrassensos do livro. O reconhecimento dos absurdos tractarianos enquanto
tais é o objetivo da obra, e esse reconhecimento tem finalidade ética. A finalidade ética do
Tractatus é mudar atitude filosófica frente a fundamentações ultimas, quer para a linguagem,
quer para ética. Se Kremer está correto, ele conduz a uma alternativa não autodestrutiva para
os absurdos tractarianos, mostrando que não obstante sua contrassensualidade, os absurdos
tractarianos podem ser terapeuticamente úteis. Dessa forma, é possível conciliar a
contrassensualidade tractariana com seu processo de elucidação e entender como um livro
composto de absurdos pode ser de utilidade filosófica.