Dois irmãos: um romance às margens do negro
Abstract
As obras literárias inspiradas nas sugestões do universo amazônico representam, em seu conjunto, um aspecto interessante no panorama da literatura brasileira em função dos traços de originalidade que as circunscrevem. A natureza exuberante e portentosa da região, caracterizada geograficamente pela vastidão incomensurável de seus domínios, suscitou desde sempre o fascínio e a admiração de todos quantos se propuseram a registrá-la discursivamente. A despeito da diversidade de orientações estético/ideológicas que orientaram seus autores, um elemento de coesão aproxima tais representações, conferindo-lhes, assim, unidade, qual seja: a caracterização enfática do meio geográfico como forma de afirmar/enaltecer valores locais. Posicionando-se contrariamente a essa postura exótica, porque fundamentada numa perspectiva restritiva da substância narrativa a um espaço determinado, Milton Hatoum elege a Amazônia como cenário da coexistência e do entrecruzamento de línguas, de culturas e de tradições. Habitado por imigrantes, o universo ficcional do autor amazonense destaca-se pela apreensão de um espaço/tempo marcado pela dissolução e pela ruptura, elementos que avultam como horizonte privilegiado em sua obra. Indelevelmente marcado pelo signo da exclusão, o narrador de Dois irmãos percorre o itinerário afetivo que o conduz ao passado no qual, supostamente, esconde-se a identidade paterna, uma ambigüidade jamais desfeita na fatura narrativa.