O sacro e o oblíquo: para uma tradução dos sonetos sacros de John Donne
Abstract
A obra do poeta inglês John Donne (1572-1631) foi reavaliada pela crítica depois de ficar quase três séculos no ostracismo. Após ter sido condenada por Samuel Johnson no século
XVIII, a poesia de Donne só veio a alcançar o reconhecimento que hoje possui com o ensaio Os poetas metafísicos, de T. S. Eliot. Este último encontrou na obra de Donne algumas
características que ligariam o poeta à poesia moderna, tais como a habilidade de Donne no manejo do wit, conceito que significa algo como o poder de criar metáforas novas e
surpreendentes. No entanto, o mesmo wit que encontramos na poesia profana de Donne é também encontrado em sua poesia religiosa. Apesar disso, os estudos sobre Donne
parecem desconsiderar tal fato. Em meio à poesia religiosa donneana, os Sonetos Sacros estão certamente entre os textos mais importantes, seja pela sua apurada concepção
estética, seja pelo apanhado de conceitos religiosos que não só refletem a época em que vivia Donne como também a lente através da qual o poeta via o mundo. Muito embora as
discussões religiosas tenham ocupado um espaço significativo da obra de Donne, foi a sua poesia profana que proporcionou a reavaliação de sua obra no século XX. Nessa esteira, as
traduções e estudos brasileiros privilegiaram sempre as Canções e Sonetos em detrimento dos Sonetos Sacros, como se tivessem sido escritos por autores diferentes. Desse modo,
procuramos fazer uma análise dos Sonetos Sacros e de suas traduções no Brasil que procurasse deter-se tanto no estilo quanto no conteúdo desses poemas. Procuramos então
demonstrar como o estilo que consagrou Donne e que se encontra nas Canções e Sonetos pode também ser encontrado em sua poesia religiosa. Vimos também que o conteúdo dos Sonetos Sacros remete a muitas questões teológicas que eram típicas da época em que viveu o poeta inglês. Assim, com base no trabalho de Antoine Berman (1995) acerca das traduções francesas de Donne, observamos que as traduções brasileiras da poesia religiosa donneana não apenas freqüentemente subestimam a importância desses textos para a compreensão da obra do poeta inglês, como não empreendem uma interpretação rigorosa de seu conteúdo. Assim sendo, com base em diversos trabalhos (como Gardner, 1966; Carey, 1990 e Berman, 1995) apresentamos uma análise crítica e uma retradução dos
Sonetos Sacros.