O discurso no direito e o direito ao discurso: a tentativa de controle do dizer e o sujeito à margem do ritual
Resumo
Neste estudo, problematizamos como se constituem depoimentos testemunhais que, via transcrição, compõem processos penais. O objetivo é analisarmos como funciona essa discursividade, caracterizada pelo discurso relatado (DR), considerando-se que por meio dela visa-se ao efeito de verdade. O corpus da pesquisa é formado por quatro depoimentos testemunhais realizados no ano de 2009, integrantes de processos distintos que tramitam na 1ª Vara da Comarca de Santa Maria-RS. O aporte teórico do estudo é a Análise de Discurso de orientação franco-brasileira, de modo que o trabalho fundamenta-se em noções como memória discursiva, condições de produção, heterogeneidade mostrada e constitutiva, as quais nos permitiram analisar as marcas de objetividade e os vestígios da subjetividade que emergem na materialidade linguística das transcrições. Além disso, o silêncio, tal como compreendido por Orlandi (1977), tornou possível identificarmos possibilidades de resistência no discurso do sujeito testemunha. Para explorarmos o corpus da pesquisa, formulamos uma metodologia embasada na noção de discurso relatado, considerando três de suas características constituintes: o jogo de perguntas e respostas realizado entre juiz e testemunha; o emprego de travessões; e a utilização de aspas. A análise possibilitou compreendermos como o Direito mobiliza o discurso relatado enquanto técnica para a constituição dos depoimentos testemunhais, o que se estrutura de duas formas: relato/oralidade (DR1) e transcrição/escritura (DR2). Nos depoimentos analisados, observamos marcas de subjetividade mostrada (DR1) que visam a assinalar autoria, no âmbito da responsabilização do sujeito testemunha, criando um efeito de objetividade. Por outro lado, verificamos uma estrutura fixa, caracterizada por um jogo de perguntas e respostas (DR2) recorrente no conjunto do corpus. Nessa estrutura objetiva, contudo, foi possível observarmos o espaço da resistência a partir do próprio dizer da testemunha, que, de algum modo silencia, dizendo diferente do esperado ou não dizendo, e isso se dá por reconhecermos no sujeito interpelado as determinações históricas e da ordem do simbólico. Mesmo diante da rigidez de uma ordem preestabelecida para a constituição dos depoimentos testemunhais, encontra-se o espaço do/para o sujeito e da/para a resistência.