"Eles torturavam as crianças na frente das mulheres": mulheres, trauma e maternidade na resistência à ditadura militar brasileira
Resumo
A presente pesquisa, filiada à Análise de Discurso de Linha Francesa Pecheuxtiana, tem o objetivo de propor uma reflexão sobre o lugar que o sujeito mulher ocupa nas condições de produção de prisão e da tortura feminina, durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), nas quais o corpo feminino é tratado diferente do corpo masculino, no que se refere às formas de tortura. Debruçamo-nos sobre a problemática da maternidade, que permeia os processos discursivos em funcionamento nas condições de produção referidas, possibilitando um lugar possível de visibilidade do confronto entre a posição sujeito-mulher, a posição sujeito-militante e a posição sujeito-mãe, do ponto de vista discursivo. Como premissa para nossa reflexão, selecionamos, na obra Luta, Substantivo Feminino: Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura, organizada por Tatiana Merlino e Igor Ojeda (2010), seis testemunhos de mulheres que foram presas e torturadas durante a ditadura militar brasileira, dos quais fizemos recortes dos enunciados em que as militantes relatam ameaças a seus filhos e os sentidos que tal ato desperta nelas. Apoiados nesses recortes, dedicamo-nos a compreender como se produz a desestabilização dos sentidos acerca do que é ser mulher, do que é ser militante e do que é ser mãe. Com base no estudo desenvolvido, compreendemos que, pela interpelação ideológica, a mulher/militante/mãe, tomando uma dessas posições, não apaga sua posição anterior, portanto não é possível dizer, do lugar de uma mãe, sem carregar o dizer da mulher e o dizer da militante. Com isso, afirmamos que o silêncio foi a alternativa encontrada pelas mulheres, nas condições de produção em que se encontravam, e que, pela ausência do dizer, se produzia uma forma de resistência à tortura. O silêncio, aqui entendido como lugar de incompletude, divisão e produção de sentidos sempre outros, atesta para a íntima relação entre o sujeito, a linguagem e o mundo. Nos recortes analisados, destacamos como os testemunhos produzidos por essas militantes se organizam em torno da maternidade, isto é, do “ser mãe” como uma construção histórica e ideológica, na qual se atravessam diferentes formações discursivas que sustentam o seu dizer pelo funcionamento da memória, do político e do simbólico. A criança é entendida, pelo torturador, como uma extensão da mãe, e pelo trabalho da ideologia é sempre já-sujeito, significada e significando nas práticas sociais efetivas. Na perspectiva teórica, na qual nos embasamos, não há sentido e não há sujeito pleno, assim como não há uma identificação plena. Dessa forma, concluímos que a produção de sentidos sobre “ser mãe”, na tentativa de desestabilizar a resistência feminina frente à ditadura, não apaga a posição-sujeito mulher e militante, visto que elas resistem no/pelo silêncio, não deixando de significar.
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