A escuta qualificada como dispositivo no cuidado em saúde mental na atenção básica
Resumo
Este projeto se propôs a compreender a percepção de agentes comunitários de saúde a respeito
do dispositivo da escuta, no trabalho com as demandas de saúde mental. Para tanto, buscou-se
entender, do ponto de vista dos profissionais, que recursos e condições são importantes para a
realização de uma boa escuta; identificar as facilidades e/ou dificuldades encontradas pelos
profissionais na utilização da escuta em situações que envolvam o sofrimento psíquico;
compreender os sentimentos mobilizados quando o profissional realiza a escuta envolvendo o
sofrimento psíquico e, por fim, identificar se os profissionais percebem resultados/efeitos no
usuário a partir da abertura para a escuta. No que se refere à metodologia, o projeto seguiu
uma abordagem clínico-qualitativa, e a coleta de dados ocorreu através da entrevista
semidirigida de questões abertas. Foram entrevistados oito agentes comunitários de saúde de
uma Estratégia de Saúde da Família (ESF) de Santa Maria. A análise do material foi realizada
através da análise de conteúdo. Os resultados apontam para a realização de uma escuta de fato
qualificada pelos participantes da pesquisa, com a incorporação das recomendações e
atributos propostos pela literatura. Ademais, os participantes referem perceber efeitos nos
usuários após a realização da escuta, e apontam casos gratificantes quando a escuta foi
utilizada como intervenção. Esteve presente, além disso, uma preocupação com o fenômeno
da medicalização do sofrimento, onde a escuta e outras intervenções consideradas leves foram
indicadas como uma estratégia para fazer frente ao fenômeno. Além disso, a relação de
proximidade presente entre usuários e agentes comunitários de saúde foi abordada com
ambiguidade pelos participantes, e foram apontadas suas potencialidades e fragilidades na
intervenção e escuta destes profissionais. Os participantes referem, ainda, dificuldades diante
do tema do luto, dadas tanto pela relação de proximidade com os usuários, quanto pelas
dúvidas na abordagem do assunto com os mesmos. A intervenção, ainda, diante das situações
que envolviam risco de suicídio, sintomas psicóticos e atenção à crise parecem gerar
desconforto, medo e insegurança nos profissionais entrevistados. Contudo, destaca-se que os
agentes comunitários de saúde têm utilizado o recurso da escuta como possibilidade de
cuidado diante desses casos. Por fim, a questão do isolamento social e da solidão
experimentada pelos usuários foi apontada como um tema sob o qual os profissionais
consideram difícil intervir e escutar, embora busquem utilizar algumas estratégias para fazer
frente ao fenômeno. Salienta-se, por fim, a necessidade dos agentes comunitários de saúde
disporem de ferramentas e dispositivos que os instrumentalizem e fortaleçam para a
realização de uma escuta qualificada, a exemplo do apoio matricial, do trabalho em equipe, da
formação continuada e de uma rede bem estruturada de atenção em saúde mental.
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