Evolução molecular e padrões macro e micro evolutivos em Drosophila incompta (Diptera, Drosophilidae)
Resumo
O grupo flavopilosa foi proposto por Wheeler e colaboradores em 1962. Em termos taxonômicos, parece ser um grupo monofilético, pertencente à radiação virilis-repleta do subgênero Drosophila. No entanto, o exato posicionamento do grupo dentro dessa radiação ainda é alvo de debate, havendo ampla incongruência entre diferentes marcadores. De acordo com a classificação proposta até o momento, o grupo flavopilosa é dividido em dois subgrupos, nesiota e flavopilosa, que compreendem um total de 16 espécies mais Drosophila incompta, organismo modelo desta tese. D. incompta é estritamente adaptada à exploração de flores do gênero Cestrum, tanto como sítios de oviposição, quanto como substrato para o desenvolvimento larval. Para isso, essa espécie desenvolveu uma série de adaptações fenotípicas exclusivas que facilitam a exploração desse recurso. Além disso, acredita-se que D. incompta apresente uma série de adaptações moleculares a sua especialização ecológica, e isto deve estar particularmente refletido no conjunto gênico de receptores olfativos (ROs) e gustativos (RGs) da espécie. Também em virtude de seus padrões ecológicos restritos, a distribuição de D. incompta é completamente dependente da distribuição de seus hospedeiros, que parecem ser abundantes na região Neotropical. No Brasil, especificamente, as plantas do gênero Cestrum são distribuídas ao longo da Mata Atlântica e do Cerrado, os quais apresentam formações vegetacionais que mudaram consideravelmente nos períodos glaciais e interglaciais do Quaternário. De fato, as oscilações climáticas desse período, marcado pela redução da temperatura e umidade do Hemisfério Sul, parecem ter ocasionado contrações na distribuição da Mata Atlântica e sua substituição por outros tipos de formações vegetais, condizentes ao clima, como o Cerrado e a Caatinga. Dada a complexidade dos cenários macroevolutivos, microevolutivos e moleculares envolvendo D. incompta, o objetivo geral desta tese é caracterizar os aspectos filogenéticos, moleculares e filogeográficos associados à especialização ecológica de D. incompta às flores do gênero Cestrum de Solanaceae. Para isso, caracterizamos o genoma mitocondrial de D. incompta, inferimos seu correto posicionamento filogenético a partir de dados de filogenômica, identificando as possíveis fontes de incongruência, caracterizamos o repertório gênico de ROs e RGs da espécie e analisamos seus padrões de diversidade e estruturação ao longo da região Sul do Brasil. Nossos resultados mostram que o genoma mitocondrial de D. incompta apresenta perfeita sintenia com as outras espécies do gênero Drosophila, sendo constituído de 13 genes codificadores de proteínas, 22 tRNAs, 2 rRNAs e uma região rica em A-T. Além disso, análises de polimorfismo ao longo deste genoma indicam a presença de níveis pronunciados de diversidade intra-específica. Em relação ao posicionamento filogenético, foi possível demonstrar que enquanto os genomas mitocondriais suportam o agrupamento de D. incompta com D. mojavensis, os genes nucleares recuperam D. incompta e D. virilis como espécies irmãs. Como, em geral, estes posicionamentos são mantidos mesmo quando os efeitos da saturação são controlados, acredita-se que a incongruência entre os dois conjuntos de dados deve ser um reflexo de diferenças em suas histórias evolutivas. Em relação ao repertório de ROs e RGs, encontramos 28 e 12 genes pertencentes a cada uma destas famílias no genoma de D. incompta, respectivamente. A redução no número de genes com relação a outras espécies de Drosophila parece ser adaptativo devido ao padrão de ecologia restrita. Ainda assim, esses genes parecem estar sob efeito de seleção purificadora. Por fim, as análises filogeográficas mostram que as populações de D. incompta da região Sul do Brasil passaram por um evento de expansão populacional entre 175 e 100 mil anos atrás seguido de um período de estabilidade que se estende até os dias atuais. Os altos níveis de diversidade e a ausência de um padrão geográfico de estruturação genética parecem refletir a ocorrência de altos níveis de fluxo gênico na espécie, como resposta às oscilações na abundância e disponibilidade dos recursos explorados.
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