O reconhecimento de grupos como sujeitos de direitos e o liberalismo igualitário: uma análise a partir dos povos tradicionais brasileiros
Resumo
Longe de ser um consenso entre filósofos do direito, filósofos políticos e juristas em todo o mundo, os argumentos sobre os direitos dos grupos assumem hoje frequentemente o mesmo caráter das questões sobre a atribuição de direitos a fetos, às gerações mortas ou futuras ou a animais não-humanos. Em cada um desses casos, a questão central é se devemos permitir que a entidade em causa tenha a autoridade moral necessária para que seja sujeito de direitos. O fato dos direitos humanos terem-se tornado a língua franca do padrão internacional acarreta uma tendência em se apresentar todo padrão internacional significativo nessa língua. Os direitos sociais e coletivos, direitos das minorias, entre outros, são direitos elencados entre os direitos humanos, o que evidencia, por sua vez, uma tendência a se considerarem os indivíduos separadamente e os grupos, ou entes sociais e coletivos, segundo o pensamento liberal dominante, como uma soma de direitos individuais. Essa tendência dificulta o entendimento e a aceitação da ideia de grupos como sujeitos de direitos e, consequentemente, a atribuição de direitos a grupos na prática jurídica, nacional e internacional, e na condução de políticas públicas. Com base nessa premissa, procuro defender, pela ótica do liberalismo igualitário, baseado em Rawls, e não pela neoliberal, a atribuição de direitos a grupos, coniderando o grupo um ente que não seja a mera soma dos direitos de seus integrantes.Esses direitos de grupos são relevantes, mesmo não sendo especificamente, apesar da doutrina jurídica assim considerar, direitos humanos ou individuais. Essa relevância pode ser demonstrada a partir da política de reconhecimento mais emblemática no Brasil que está consignada em dispositivo constitucional, o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual diz que: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”. Uma diferença marcante dessas comunidades minoritárias está em sua forma de vida comunitária, baseada na economia do compartilhamento, conforme a definição de Mauss (1922), ou na economia solidária, segundo a concepção de Singer (2018), sem o advento, internamente, da propriedade privada da terra, que as diferenciam substancialmente da sociedade majoritária na qual estão inseridas, baseada na economia de mercado e na propriedade privada. O caso da dificuldade de outorga de títulos às comunidades quilombolas, que não têm "personalidade jurídica", evidencia uma lacuna a ser preenchida, em favor da admissibilidade teórica dos direitos de grupos, e da impropriedade da consideração majoritária na doutrina jurídica brasileira de direitos coletivos como sendo a soma de direitos individuais. Caso semelhante ao da dificuldade de outorga de títulos às comunidades quilombolas, que não têm "personalidade jurídica" e que evidencia uma lacuna a ser preenchida, em favor da admissibilidade teórica dos direitos de grupos, é a dificuldade encontrado no processo formal de reconhecimento da identidade de povos, categoria sem definição consensual e sem "personalidade jurídica". A partir de mais esta impropriedade, resultante da consideração de direitos coletivos como a soma de direitos individuais, será apresentada uma proposta de definição de povo condizente com o que se aceita no direito internacional e a adoção de uma teoria de direitos de grupos que reconheça direito de autogoverno às minorias nacionais, ou povos tradicionais, como quilombolas e indígenas, no Brasil, utilizando o conceito de autodeterminação, analogamente ao que se adota em consideração aos estados nacionais, aliados ao princípio da solidariedade. Esse princípio é empregado em política externa e relações internacionais para impedir que "o outro" ou "os outros" sejam indiferentes ao interesse nacional, em consonância com o conceito de CID-Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, que evoca preceitos morais como justiça social e solidariedade.
Coleções
Os arquivos de licença a seguir estão associados a este item: