As narrativas midiáticas sobre vítima na enchente de 2014 no vale do Itajaí, SC. Trauma e repetição
Abstract
Inspirados no desafio proposto por Joel Birman (2006), de sustentar uma travessia que desconstrua a servidão e o pacto masoquista na atualidade, pesquisamos as narrativas midiáticas sobre a condição de vítima na enchente na região banhada pelo rio Itajaí-Açu, SC, de 2014 possuindo como recurso teórico o estudo de repetição e de trauma desenvolvido pela psicanálise. Os antropólogos Didier Fassin e Richard Rechtman (2009) formularam o termo “nova linguagem dos acontecimentos”, quando consideraram que os eventos são tomados na contemporaneidade como traumáticos e legitimadores de vítimas, para nomear a retirada do lugar singular e subjetivo do sujeito a partir de rótulos psicopatológicos utilizados de maneira generalizada. Percorremos durante a revisão de literatura sobre o tema, a pesquisa de Paulo Vaz e Gaelle Rony (2011), a partir de reportagens em revista e TV, sobre eventos provenientes de catástrofes naturais no RJ e onde perceberam como a forma de denúncia ao Estado foi se modificando nos últimos quarenta anos. Interessou-nos especialmente a sua discussão sobre a observação de como a política da piedade foi substituída pela política de vítima virtual, em que a figura de vítima é generalizada a todos que assistem a um acontecimento e que são traumatizados e que concorda com a observação de Fassin (2002 apud VAZ; RONY, 2011), de que a diferença entre piedade e compaixão esteja se desfazendo. Esta pesquisa foi de natureza qualitativa, utilizando a coleta de documentos a partir do jornal A Notícia, de Joinville, SC, por ter uma publicação regional e diária, num intervalo de um mês após o início dessa enchente. Coletamos 110 reportagens relacionadas à enchente e a análise dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo, segundo Laurence Bardin (2016). As narrativas apontaram para a reincidência das enchentes na região, porém marcando a diferença através da comparação entre a força da destrutividade em 2014 e outros episódios, construindo uma ideia de necessidade de uma previsão climática com maior precisão. Nelas também a convocatória por doações para as vítimas foi alicerçada na proposta de solidariedade oferecida pela cultura. Entendemos que seja necessário um rompimento com o uso das ideias de falso amparo que palavras de solidariedade superficiais ou superfluidas possam alimentar. Romper com a banalidade implicou em nos questionarmos sobre a repetição, além da reincidência dos fatos. Foi pela diferença entre a Unheimliche e a angústia sinal: a posterioridade, que associamos duas compreensões fundamentais de dois autores sobre esses conceitos. Birman destacou a Unheimliche indicando o desamparo. E, conforme Lacan (2005), esse sinal comunicaria a pretensão de gozo do outro. Nessas narrativas, a banal angústia sinal que procura a previsão do tempo encobre e produz uma Verleugnung de uma diferença social. A Unheimliche, se existisse, nos leitores, criaria essa possibilidade em perceber as diferenças. A enchente de narrativas contraditórias está direcionada àqueles que leem algo como se fosse uma angústia sinal. Porém, a Unheimliche pode também assinalar uma confusão de narrativas, a maneira de confusão de línguas, conforme Ferenczi (1992), e, a partir de Birman (2006), atravessar esse deserto de contradições e desmentidos e construir laços fraternos iluminados pela semelhança e alicerçados em enlaces amorosos.
Collections
The following license files are associated with this item: