Análise bioeconômica do seqüestro florestal de carbono e da dívida ecológica: uma aplicação ao caso do Rio Grande do Sul
Resumo
Apesar das críticas que tem sofrido, o Protocolo de Kyoto tem-se constituído na principal ferramenta política para enfrentar a mudança climática. No entanto o único de seus instrumentos (comércio internacional de emissões, implementação conjunta e MDL) que prevê a cooperação entre países industrializados e em desenvolvimento para mitigar as emissões de GEE é o MDL. A modalidade florestal do MDL pressupõe que as plantações florestais (florestamento/reflorestamento) podem ajudar na remoção das emissões de dióxido de carbono (o GEE mais representativo). Esse pressuposto aceita que as plantações florestais podem compensar a perda de florestas naturais. Por isso esse proclamado trade-off constitui o foco principal deste estudo. Devido à grande instabilidade dos preços monetários em mercados incipientes como o do carbono, a análise abstém-se de utilizar variáveis monetárias. De resto, esse artifício ajuda a contornar certas dificuldades decorrentes da utilização dos preços monetários como indicadores de escassez. Assim, a análise bioeconômica prossegue com a aplicação, ao seqüestro florestal de carbono no Rio Grande do Sul, de um modelo similar ao de Gordon-Schaefer, tradicionalmente empregado na gestão da pesca. Por duas razões principais, o caso do Rio Grande do Sul contribui para a análise do suposto trade-off entre florestas naturais e plantadas. Em primeiro lugar, por não se registrarem taxas de desmatamento pronunciadas no estado. Em segundo lugar, pela elevada proporção de florestas naturais em relação às florestas plantadas em seu território. A repartição do uso do solo entre as florestas é utilizada para estudá-las como se representassem nações ou regiões diferentes: uma, rica em florestas, onde as formações florestais nativas permanecem em pé; outra, pobre em florestas, onde as plantações florestais se estabelecem através de florestamento e/ou reflorestamento. Apenas unidades físicas (MtC) são utilizadas para calcular taxas de câmbio, taxas de juro e preços não-monetários. A seguir, deduz-se uma função que reparte o uso da terra entre florestas naturais e plantadas. Essa função equivale à demanda por remoção de emissões. Sua contraparte é a função oferta de emissões, que depende das taxas de crescimento econômico. Os resultados mostram como, em última análise, a sustentação do crescimento econômico está condicionada à situação ecológica (dívida, crédito ou equilíbrio) de um país ou região. Em cada cenário, confrontam-se as vantagens econômicas e ambientais das estratégias do MDL e da conservação de florestas naturais. Além disso, estima-se uma taxa de overshoot para a atividade florestal no Rio Grande do Sul ao longo dos últimos 40 anos aproximadamente. As estimativas sugerem que o MDL pode aliviar pressões ambientais somente onde se registre crédito ecológico. Onde o endividamento ecológico já esteja em curso, o MDL não substitui a conservação.