Racionalidade burocrática e políticas públicas: crítica ao sistema normativo da assessoria técnica, social e ambiental aos assentamentos da reforma agrária no RS
Resumo
Considerando-se que a execução dos serviços de Extensão Rural (ER) foi terceirizada pelo Estado num ambiente de pluralidade institucional e que esse processo foi acompanhado por uma racionalização instrumental das políticas públicas, caracterizada pela crescente normatização e regramento burocrático, esta pesquisa objetivou analisar o Sistema Normativo (SN) na configuração do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES) aos assentamentos de Reforma Agrária no RS. Foram utilizados métodos mistos de abordagem quanti-qualitativa quanto à forma de abordagem e analítica quanto ao objetivo. Realizou-se análise documental, observação e entrevistas individuais para produção de narrativas referentes à configuração dos serviços de ATES. Foi realizada análise a partir da perspectiva teórica e das categorias analíticas emergentes, sendo os dados interpretados, sistematizados em seu conjunto. A revisão documental buscou caracterizar as bases conceituais e as diretrizes da ATES, bem como desvendar as referências que caracterizaram a constituição do SN que regimentou a operacionalização do Programa de modo a possibilitar a compreensão dos fatores que influenciam o planejamento e a execução dos serviços de ER. A ATES está inserida no contexto da reforma do papel do Estado, que é mediado pelos pressupostos neoliberais e caracterizado pela terceirização de serviços, pelo pluralismo institucional e pela ampliação do regramento burocrático sobre as ações do Estado. Foi identificado que o SN configurado na ATES teve como princípio a determinação clara de procedimentos legais em detrimento de processos de desenvolvimento, promovendo a garantia da segurança jurídica e burocrática dos contratos e a legitimidade social das ações desenvolvidas. Aliado aos problemas dos critérios de avaliação que não conseguiram medir os fins objetivados pela ATES, foi criado um ambiente onde prevaleceu o cumprimento dos meios nos procedimentos e na sua correspondência com a realidade organizativa e operativa das instituições envolvidas. Nesse sentido, equipes técnicas bem avaliadas foram aquelas que conseguiram evitar penalidades por atenderem os critérios normativos mesmo que sua ação não tivesse sentido prático para a vida das famílias assentadas. Observou-se que o SN da ATES evoluiu como inferência para a correção das práticas e distorções que foram sendo diagnosticadas no decorrer do desenvolvimento do Programa. As inovações metodológicas e estruturais foram procedidas de novas medidas de regulação, que buscaram solucionar as disfunções operativas anteriores e prevenir novos desvios funcionais. O Sistema Normativo também contribuiu para a promoção da acomodação dos atores do Programa de ATES, sendo importante a garantia de cumprimento das regras, impulsionando rotinas uniformes. A análise do funcionamento do Programa de ATES também evidenciou o comprometimento da participação social. O SN dificultou o desenvolvimento do exercício democrático da participação social. Compreende-se que a combinação entre a descentralização executiva e participativa poderia ser a condição para o rompimento com a normatização burocrática das políticas públicas. Compreende-se que uma nova configuração do modelo de gestão da ATES possibilitará ampliar os resultados positivos, principalmente pela conjunção entre demanda social e ações realizadas. Desafia-se, com isso, um novo ciclo de discussão e ação no Programa, no qual a centralidade esteja no modelo de gestão e nos ajustes nas relações de poder e no papel do Estado frente à realidade das famílias assentadas.