Avaliação da atividade antinociceptiva do extrato e do alcaloide s-(+)-dicentrina extraído de frutos de Ocotea puberula (Lauraceae)
Resumo
A Ocotea puberula (Lauraceae) é uma árvore nativa brasileira, conhecida nos estados da região sul por canela guaicá ou canela amarela, cuja composição fitoquímica inclui diversos alcaloides do tipo aporfínicos, alguns dos quais com atividades biológicas já demonstradas. Frutos coletados na região de Curitiba, Paraná, foram submetidos a processos de extração e fracionamento, permitindo isolar um alcaloide identificado como dicentrina, presente como componente majoritário. Neste trabalho, foi investigado o potencial antinociceptivo das frações orgânicas obtidas a partir do extrato dos frutos de O. puberula e da dicentrina (DCTN) isolada da fração clorofórmica (FC). Tanto a FC quanto a DCTN, administradas por via oral, foram capazes de reduzir a nocicepção induzida pela formalina e pelo ácido acético,
com DI50 semelhantes, sugerindo que o efeito de FC seja devido à presença da DCTN. As frações hexânica (FH) e acetato de etila (FAE), por sua vez, não apresentaram efeito antinociceptivo. A DCTN também apresentou efeito antinociceptivo em modelos crônicos, tanto inflamatório (injeção intraplantar de Adjuvante Completo de Freund) quanto neuropático (ligadura parcial do nervo ciático), sendo capaz de reduzir a hipersensibilidade
mecânica e ao frio, porém sem alterar a resposta ao calor. Quando avaliada frente à ativação de termo-receptores, a DCTN administrada tanto por via sistêmica (via oral) quanto
local (via intraplantar) reduziu a nocicepção induzida pelo cinamaldeído, um ativador de canais TRPA1, mas não alterou a resposta induzida pela capsaicina, um ativador de canais
TRPV1. O efeito antinociceptivo da DCTN não foi revertido pelo pré-tratamento com antagonistas de receptores opióides, adrenérgicos ou canabinóides e nem pelo prétratamento
com um inibidor da síntese de serotonina, sugerindo que estes sistemas descendentes de controle da dor não estão envolvidos no mecanismo de ação da DCTN. Por outro lado, a DCTN foi capaz de prevenir a hipersensibilidade induzida pelos ativadores
da via AMPc/PKA, forscolina e PGE2, e também foi capaz de reduzir a ativação da PKA, demonstrada por análise de western blotting, sugerindo que a DCTN possa agir por interação com essa via de sinalização. Por outro lado, a DCTN apresentou pouca ou
nenhuma ação frente à hipersensibilidade mecânica induzida pela bradicinina ou pelo PMA, respectivamente, o que sugere que a via PLC/PKC não está envolvida no seu efeito antinociceptivo. A DCTN não causou efeitos sedativos, alteração motora ou alteração na temperatura corporal dos animais e, embora o tratamento diário durante 14 dias tenha aumentado o peso relativo do fígado, não foram observadas alterações nos níveis
sanguíneos de AST, ALT ou γ-GT. Coletivamente, os dados deste trabalho demonstram que a DCTN apresenta um importante efeito antinociceptivo em modelos de dor agudos e crônicos, principalmente de cunho inflamatório, e seu mecanismo de ação parece envolver interação com canais TRPA1 e com a via de sinalização AMPc/PKA. Desta forma, a DCTN constitui-se como uma potencial candidata para a continuidade de estudos pré-clínicos aprofundados, e futuramente clínicos, visando o desenvolvimento de fármacos analgésicos.