Violência intrafamiliar: percepções de crianças escolares que vivem em abrigo
Abstract
A violência intrafamiliar contra crianças, além de representar uma importante questão
de saúde pública devido a seu alto índice de morbimortalidade, também se constitui em
desafio social e profissional. A violência que se apresenta nas relações familiares, perpassa
os tempos, reforçando uma cultura que a mostra como algo normal, perpetuando-se através
das gerações. Dessa forma, objetivou-se compreender como as crianças abrigadas
vivenciam a violência intrafamiliar a fim de buscar subsídios para o seu enfrentamento e
prevenção. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo descritivo-exploratória, utilizando-se
o Método Criativo Sensível. A pesquisa foi desenvolvida em duas instituições que abrigam
crianças e adolescentes vítimas de violência familiar, que não podem permanecer com as
suas famílias, localizadas em município do Estado do Rio Grande do Sul. Os participantes
do estudo foram 4 crianças, dois meninos e duas meninas, com idade entre 8 e 11 anos.
Como técnica de coleta de dados, utilizou-se as dinâmicas de criatividade e sensibilidade
(DCS) que constituem o eixo central do Método Criativo Sensível. As DCSs desenvolvidas
nesse estudo foram: O Brincar em cena e Corpo Saber. Na DCS O Brincar em cena,
buscou-se conhecer como era a vida das crianças no ambiente da família de origem. Na
DCS Corpo Saber buscou-se, conhecer de que forma o corpo das crianças era
cuidado/tratado no ambiente da família de origem sob a perspectiva das mesmas. Todos os
preceitos éticos foram mantidos, e o protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da instituição. Para compreender a linguagem utilizada pelas crianças
vitimizadas e significar seu discurso foram aplicadas as ferramentas da análise de discurso
francesa. Os resultados apontaram como motivos para a institucionalização problemas
mentais da mãe, uso abusivo de álcool e a agressão. A mãe foi identificada como principal
agressora. Os principais tipos de violência encontrados foram: físicas, sexuais e de
negligência. A identificação da violência no corpo indicou a cabeça, os membros superiores
e inferiores e nádegas como locais mais atingidos. Os discursos dos meninos revelaram o
sentimento de amor e carinho pelo familiar que prestava o cuidado e o sentimento de
desprezo pelo familiar que agredia. O discurso das meninas apontou os cuidados básicos de
higiene, como a única forma de cuidado que elas referem ter recebido em sua família.
Recomenda-se que, a violência intrafamiliar contra crianças seja abordada enfaticamente no
ensino, explicitando causas, conseqüências e reconhecimento dessa, a fim de fornecer
subsídios para os futuros profissionais no encaminhamento de vítimas e agressores.
Acredita-se em um trabalho preventivo, realizado junto às famílias desde o planejamento
reprodutivo, cuidados no pré-natal e parto. Sugere-se uma política de humanização que
tenha seu foco em ações que propiciem o apego, o fortalecimento do vínculo mãe-filho e
das relações familiares no cotidiano da convivência. Tudo isso com vistas a possibilidade de
contribuir para minimizar a ocorrência da violência intrafamiliar.