Tropical sol da liberdade: entre o mar e as amendoeiras, resgates e rupturas através da narrativa
Resumo
Como espaço privilegiado que acompanha o homem em sua trajetória existencial, a literatura incorporou, especialmente a partir da década de 60, as tentativas de reconhecimento de segmentos da sociedade até então negligenciados. Composta pela periferia étnica, geográfica e social (negros, homossexuais, mulheres...), essa grande massa fez da literatura palco para contar suas histórias. Reiterada a constatação de que os mais inspiradores sonhos sociais e políticos não passavam de sonhos, foram os romances que, inseridos num contexto de rupturas, revelaram a conturbada realidade do século XX. Tropical sol da liberdade, narrativa ficcional de Ana Maria Machado que se alinha a essa prática de desnudamento e questionamentos sobre as verdades históricas , nos revela visões diferenciadas dos fatos da ditadura militar de 64: das mulheres, dos exilados, dos ex-cêntricos . Com base nos estudos da pesquisadora canadense Linda Hutcheon, intentamos compreender o lugar e a força dessas personagens periféricas na narrativa elaborada por Machado. Cientes de que o real é algo que desafia a representação, investigamos, dentro de um vasto universo que opera entre deslocamentos voluntários e involuntários, a representação literária do exílio, com ênfase nas questões de alteridade daí advindas. Por sua complexidade, tal empreendimento exigiu que levássemos em conta conceitos provenientes de áreas como a psicologia, a sociologia, os estudos culturais, com o intuito de compreendermos como Ana Maria Machado, enquanto latino-americana degredada, fez de sua experiência uma prática discursiva. Refletindo as particularidades de um contexto caótico, o romance que nos propusemos estudar não obedece à ordem do relógio, mas à consciência da protagonista, uma mulher atormentada que se encontra numa encruzilhada: a necessidade de narrar o que viu e viveu, atrelada à impossibilidade de fazê-lo. Escrito de maneira delicada e emocionante, Tropical sol da liberdade não fala das torturas, das prisões, mas narra a vida miúda das pessoas simples, suas angústias, seus traumas. Desestabiliza a distância mantida, durante séculos, entre escritor e leitor. Através de uma narrativa metaficcional que desvenda o processo da criação literária, somos gentilmente convidados a participar do ato criativo, ratificando a ideia defendida por Eco de que a obra só se completa com a interferência do leitor. Da mesma forma, os relatos das vítimas dos regimes opressores só têm valor terapêutico, como afirma Freud, se houver um receptor interessado. Partimos dessa concepção para investigarmos a importância das testemunhas, diretas ou indiretas, na reconstrução das vidas interrompidas pelas ditaduras. O que fizemos neste trabalho foi uma breve incursão pelos bosques da ficção e das teorias literárias, lugares onde a pluralidade inesgotável habita. Tentamos, arbitrariamente, ordenar, optar, mas jamais com a ilusória intenção de esgotar os porquês que nos motivarão, sempre, a continuar investigando.