O tratamento de dados pessoais dos jurados por parte do Ministério Público: um estudo de caso do júri da boate kiss
Resumo
Sabe-se que, com a evolução tecnológica, a sociedade passou por um fenômeno de
datificação. Esse fenômeno acabou colocando em xeque direitos de personalidade,
como o da privacidade, em razão do tratamento desenfreado de dados pessoais.
Nesse contexto, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) veio para sistematizar e
reforçar os princípios de proteção de dados, bem como para trazer uma tutela mais
efetiva aos direitos de personalidade. No âmbito jurídico, mais precisamente no
Tribunal do Júri, o tratamento de dados pessoais pode ser observado na utilização do
Sistema de Consultas Integradas (SCI) pelo Ministério Público, com o fito de realizar
a filtragem e descarte de possíveis jurados. Entretanto, há indícios de que esse
tratamento não está em conformidade com os princípios expostos na LGPD. Essa
questão ganhou bastante relevância após ser levada ao plenário de julgamento do
Júri da Boate Kiss pela defesa de um dos réus. Na ocasião, o Ministério Público
admitiu a utilização do sistema para a escolha dos jurados, com embasamento em
seus dados pessoais (e sensíveis). Posteriormente, a matéria foi analisada em sede
de recurso de apelação, no âmbito da nulidade relacionada à (dis)paridade de armas
entre defesa e acusação. No presente trabalho, partindo-se do caso do Júri da Boate
Kiss, questionou-se quais seriam os limites e possibilidades acerca do tratamento de
dados pessoais dos jurados por parte do Ministério Público, sob o viés principiológico
da LGPD. Para isso, foi utilizado o método de procedimento monográfico e método de
abordagem indutivo, com técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Por fim,
concluiu-se que esse tipo de tratamento de dados violou os princípios expostos na
LGPD, na medida em que foi utilizado para fins discriminatórios, já que foi verificada
a exclusão de cidadãos do Conselho de Sentença em razão de dados pessoais
sensíveis, sob a justificativa de inidoneidade moral. Além disso, verificou-se o desvio
de finalidade do tratamento de dados pessoais no âmbito do Sistema de Consultas
Integradas, que fora concedido o uso ao órgão acusador para atuações relativas à
promoção de segurança pública e atividade atinentes à persecução penal, o que
causa reflexo diretamente na conformidade com os princípios da adequação e
necessidade. A desconformidade com os princípios gerais de proteção de dados e,
consequentemente, com os fundamentos que regem esse sistema de proteção,
demonstrou uma implicação direta na seletividade do sistema penal e nos direitos de
personalidade dos cidadãos. Com efeito, os limites e possibilidades da utilização do
sistema referido devem receber novos delineamentos para adequarem-se ao
ordenamento jurídico atual, já que a LGPD é plenamente aplicável ao caso em apreço
– tendo em vista que o tratamento se deu de forma extrajudicial e desvinculada das
atividades regulares inerentes à persecução penal.
Coleções
- TCC Direito [381]
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