O contraste entre oclusivas alveolares e velares: estados gradientes mediados por análise acústica e ultrassonográfica
Resumo
Os sons oclusivos do Português Brasileiro apresentam características peculiares em termos
acústicos e articulatórios, essas consoantes são diferenciadas entre si pelo contraste de
vozeamento e pelo ponto de articulação. Em alguns casos de desvio fonológico é observada
uma instabilidade fônica durante a produção do contraste entre oclusivas alveolares e
velares, segmentos alvos da presente tese. Nesses casos, análises instrumentais de fala,
como a análise acústica e a articulatória (por exemplo, as imagens de ultrassom de língua),
podem identificar habilidades linguísticas dos falantes não detectadas por análise perceptivo
auditiva. Para auxiliar na interpretação dos dados, este estudo foi guiado pela perspectiva
teórica da Fonologia Gestual. Dessa forma, o objetivo geral desta pesquisa foi o de
pesquisar indícios de um refinamento articulatório durante o desenvolvimento típico de fala
(DTF) e, examinar a presença de contrastes fônicos em construção (contrastes encobertos)
na fala de crianças com desvio fonológico. Para isso, a amostra do estudo foi composta por
20 adultos, 15 crianças com DTF e sete crianças com desvio fonológico. A coleta de fala
consistiu da nomeação de figuras representativas das palavras-alvo, inseridas em fraseveículo.
Foi realizada a gravação simultânea de dados de áudio e vídeo, com o auxílio do
Software Articulate Assistant Advanced. A análise dos dados foi composta por análise
acústica (parâmetros: voice onset time; pico espectral e momentos espectrais do burst;
transição consoante-vogal e medidas de duração relativa da oclusão e do burst) e
articulatória (parâmetros: proporção de eixos significantes da região anterior e posterior de
língua e descrição das curvas de língua). Também foi realizada a terapia de fala para três
crianças com desvio fonológico, duas delas submetidas aos procedimentos terapêuticos
com o auxílio do feedback visual das imagens de ultrassom de língua e uma sem o apoio do
feedback visual. A análise dos efeitos terapêuticos foi realizada por meio dos mesmos
parâmetros articulatórios e via análise perceptivo auditiva. Quanto aos principais resultados
deste trabalho: (i) foi sugerida a presença de um período de estabilização durante o DTF,
mesmo após a aquisição completa do sistema de sons; (ii) também foram verificadas
algumas evidências de estados gradientes e contrastes encobertos na fala de crianças com
desvio fonológico, e; (iii) a terapia de fala aqui proposta e seus procedimentos terapêuticos
se mostraram eficazes para a aquisição e estabilização do contraste entre as oclusivas
alveolares e velares. Todavia, a utilização do recurso terapêutico do feedback visual não
apresentou fortes evidências de superioridade dessa técnica em contraponto a sua não
aplicação, ao menos por meio dos resultados da análise perceptivo auditiva e articulatória
aqui conduzidas. Ainda em relação à terapia de fala, a análise articulatória via imagens de
ultrassom não se mostrou mais sensível na apreensão de estados gradientes durante o
processo terapêutico em relação à análise perceptivo auditiva. Assim, mesmo que algumas
hipóteses da pesquisa foram parcialmente comprovadas, acredita-se na contribuição do
presente estudo para o entendimento da complexidade envolvida no desenvolvimento de
fala, seja ele típico ou com alterações. A partir disso, pretende-se instigar novos
questionamentos e direcionamentos para a prática fonoaudiológica.