A construção social dos circuitos curtos de comercialização e consumo de alimentos: a emergência de novas institucionalidades
Abstract
Nos últimos anos, tem ganhado força um conjunto de iniciativas que recaptura o espaço rural como uma força ativa e transformadora no campo agroalimentar, dentro do que os estudos internacionais nominam de quality turn. No centro do debate, encontra-se a necessidade de repensar os padrões de produção, consumo e distribuição dos alimentos do sistema agroalimentar moderno, reconhecidos pelas fragilidades reveladas por escândalos alimentares, mas também por problemas sociais, econômicos, ambientais, identitários e de ordem de regulação e controle. Os estudos privilegiam a noção de sistema agroalimentar alternativo, centralizando as características da agricultura que o sistema moderno torna sem efeito, dentre os quais a visibilidade dos alimentos, a reconexão com o consumidor e a relocalização. O objetivo desta tese foi analisar e interpretar o processo de construção social dos mercados de circuito curto no município de Santiago (RS), tendo como referência as práticas sociais e os marcos regulatórios, normativos e cultural-cognitivos estabelecidos. A pesquisa constituiu-se como um estudo de caso da comercialização de frutas e hortaliças, conduzido por meio da abordagem qualitativa e analisado a partir dos conceitos teóricos do neoinstitucionalismo sociológico. A pesquisa teve uma primeira fase exploratória para compreender a estruturação do campo organizacional, os acontecimentos marcantes e os componentes organizacionais. A segunda fase foi interpretativa, quando, a partir dos circuitos do Hortomercado, Orgânicos e Varejistas, buscou-se compreender o processo de construção social dos mercados pelos diferentes elementos institucionais que fornecem orientações no campo organizacional. Com o estudo percebeu-se que a estruturação do campo ocorreu por meio de cinco processos simultâneos e inter-relacionados: aspectos culturais aproximaram e aumentaram a interação entre os agentes; houve um amplo envolvimento de agentes de diferentes organizações; os circuitos se formaram por meio de ajustes entre instituições valorativas e cultural-cognitivas, que se tornaram vantagens competitivas frente ao sistema agroalimentar moderno; o conhecimento técnico, por mais que seja escasso, não foi limitador para as atividades produtivas; e os circuitos pouco interagiram entre si. As novas institucionalidades são as características históricas, culturais, organizacionais e políticas locais, mas também alterações provindas do discurso profissional das áreas da saúde e nutrição, informadas pelos veículos de comunicação. Existe uma mudança institucional apoiada por cinco fatores institucionais de coordenação do sistema agroalimentar alternativo: qualidade, reconexão com o passado, desenvolvimento territorial, relações sociais e valor monetário. Além disso, a mudança é fortalecida pelas condições sobre as quais os agentes se confrontam para a formação das instituições, as novas institucionalidades. A força dessa mudança está apoiada nos sinais de enfraquecimento das instituições regulativas do sistema agroalimentar moderno, as quais, no sistema alternativo, subordinam-se às influências normativas e cultural-cognitivas. De modo a contribuir na discussão dos sistemas agroalimentares alternativos, os mercados de circuito curto decorrem de estruturas sociais construídas em processos de interação social, institucionalizados no tempo, sujeitos a mudanças e entendidos quando analisadas as condições institucionais do contexto em relação a outros níveis do sistema social.