Representação da História e Registro de Identidade em Quarup, de Antonio Callado, e A Geração da Utopia, de Pepetela: nos impasses da modernidade
Resumo
Quarup, de Antonio Callado (1967), e A Geração da Utopia, de Pepetela (1992), têm um caráter fortemente político, remetendo, o primeiro, diretamente à história do Brasil da década de 60, e, o segundo, à história de Angola na e após a luta de libertação anticolonial, constituindo-se em romances emblemáticos. Sobretudo, são narrativas que operam no paradigma dos impasses da modernidade, o que problematiza as alocações identitárias como movimentos contínuos/descontínuos das relações que os sujeitos, comunidades, nações e instituições estabelecem imaginariamente com o real. A identidade, tópico comum aos dois textos, permite flagrar, na sua complexidade, sociedades conturbadas e geopoliticamente marcadas que, em movimento dialético, anunciam e prenunciam modificações profundas, articuladas na instância do entrecruzamento da história com a ficção. Tanto Quarup quanto A Geração da Utopia são narrativas de um tempo, que capturam sintomas singularmente privilegiados, de um irreprimível impulso histórico mais profundo as causas ausentes cuja força de inversão se mostra mais intensa na primeira, e possível de ser recuperado, nas fissuras da memória, pela segunda. Assim, as narrativas que se constroem no fundamento da lógica da modernidade de modo essencialmente utópico , tentando capturar sua emergência pela escritura, expelem traços residuais de indicações preciosas de impossibilidades. Vislumbra-se um diálogo radical entre a história e a literatura que já não se contenta com a mera representação do verossímil. Não se trata mais de textos que tangenciam o histórico pela utilização de informações verídicas que são objetos da história, mas de um discurso organizador da história por meio da ficção. A incorporação da história na tessitura narrativa implica uma mirada crítica dos acontecimentos extratextuais que já não satisfaz o equilíbrio entre o narrar e o descrever, como marcas do romance histórico. A história e a fábula se tocam e se trocam em figurações que conciliam o real e o imaginário, configurando a impossibilidade de reconstrução de um real/passado sem o transpassar de um processo discursivo. As significâncias localizadas no discurso da ficção potencializam estrategicamente os significados da cultura no Brasil e em Angola, no nível actancial dos personagens, que se (des)centram na complexa relação do individual com o coletivo, construída a partir de conteúdos como nação , utopia e colonialismo .