Construção e manipulação de clone infeccioso de uma amostra brasileira do vírus da diarreia viral bovina
Resumo
O vírus da diarreia viral bovina (BVDV) é um patógeno de bovinos distribuído
mundialmente, associado com importantes perdas econômicas. As maiores perdas devem-se
aos problemas reprodutivos causados pela infecção, e pela capacidade do vírus de causar
persistência após infecção fetal no terço inicial da gestação. Para entender melhor a biologia
desse vírus, sistemas de genética reversa foram desenvolvidos e tem permitido a elucidação
de vários aspectos da replicação viral, interação vírus hospedeiro, resposta imune e
patogenia da infecção fetal. O presente estudo relata a construção, caracterização e
manipulação de um clone infeccioso, a partir da cepa brasileira não-citopática IBSP4-ncp. O
clone de DNA recombinante foi construído pela técnica de recombinação homóloga em
levedura, utilizando um vetor de baixo número de cópias, construído a partir de três
fragmentos genômicos, que compreendiam a fase aberta de leitura (open reading frame, ORF)
do vírus. As duas regiões não traduzidas (5 e 3 UTR) foram substituídas pelas respectivas
UTRs da cepa de referência NADL. O vetor construído foi transcrito in vitro e o RNA obtido
foi transfectado em células MDBK para recuperação de vírus infecciosos. Os vírus
recuperados (CI-pBSC_IBSP4-ncp#2 e #3) foram mantidos por 10 passagens em cultivo
celular e caracterizados in vitro, apresentando dinâmica de replicação, tamanho e morfologia
de focos similares ao vírus parental IBSP-4. A análise do genoma por sequenciamento revelou
cinco mutações pontuais no gene Npro, com trocas de aminoácidos, provavelmente refletindo
uma adaptação do vírus às UTRs heterólogas. O clone infeccioso construído CIpBSC_
IBSP4-ncp#2, foi então utilizado para a construção de um vírus recombinante
expressando o gene repórter Gaussia luciferase (Gluc). O gene repórter foi inserido entre os
genes Npro e Core do vírus. Para o processamento da proteína repórter, uma sequência ligante
foi adicionada anteriormente ao gene, e a sequência da protease do vírus da Febre Aftosa
(FMDV2Apro) foi inserida após o gene. O vetor recombinante construído foi transcrito in vitro
e o RNA obtido foi transfectado em células MDBK. Vírus recombinantes infecciosos foram
recuperados (CI-pBSC_IBSP4-ncpGluc#3 e #4) e caracterizados in vitro, apresentando
dinâmica de replicação, tamanho e morfologia de focos similares ao vírus obtido do clone
infecioso. O gene repórter Gluc foi corretamente expresso e processado pelo vírus
recombinante durante 15 passagens em cultivo celular. Com os resultados obtidos nestes
estudos, conclui-se que o clone infeccioso construído pode ser facilmente manipulado e é
capaz de carrear em seu genoma, e expressar de forma estável, genes heterólogos com até 555
pares de base, que parecem não interferir com sua capacidade replicativa. Dessa forma, o
clone obtido pode ser muito útil para manipulação genética visando estudar diferentes
aspectos da biologia do BVDV e de suas interações com o hospedeiro, assim como para a
produção de cepas vacinais com fenótipo atenuado e/ou com marcadores antigênicos.