Capítulos do consumo – a recepção de telenovelas brasileiras em Cuba
Resumo
Esta tese é um estudo sobre a recepção (as formas de ver e ler, de decodificar um texto específico,
atravessadas pela condição de vida do indivíduo) e o consumo (a maneira como o contexto afeta a
experiência midiática e como essa, por sua vez, interfere nas práticas dos agentes neste mesmo
cenário) de telenovelas brasileiras em Cuba. O principal propósito é investigar as formas como os
ilhéus apreendem e fazem uso dos conteúdos veiculados no produto midiático e como (e se) isso
atravessa/reorganiza os estilos de vida (identidades ―inconscientes‖ de classe) no país caribenho.
Justificam esse trabalho: a perenidade e popularidade das telenovelas tupiniquins em Cuba; a parca
produção acadêmica sobre a recepção de produtos culturais brasileiros no exterior; a também
escassa produção intelectual interessada em estudar a relação entre classe, recepção e consumo; e,
fundamentalmente, as idiossincrasias do país caribenho, resultantes da manutenção de um regime
(autoproclamado) socialista, há mais de cinco décadas. Como resultado desta singularidade, Cuba,
no contexto ocidental capitalista, apresenta contrastes como, por exemplo, o registro de indicadores
similares aos de países desenvolvidos em áreas como a saúde e educação, e uma deficiência
crônica de abastecimento dos mais variados itens, dos alimentares aos tecnológicos. O baixo poder
aquisitivo e as restrições no acesso a bens materiais e/ou simbólicos convertem o consumo numa
―lucha‖ diária em que se envolvem os cubanos. Nesse contexto, a mídia em geral – e os programas
televisivos em particular, dentre os quais as telenovelas – serve como janela e ponte que permite aos
moradores da Ilha contatarem desejos e estilos de vida que não necessariamente estão em oferta ou
acessíveis no seu país, inserindo-os em uma cultura-internacional-popular (ORTIZ, 1994) em que os
valores hegemônicos contrapõe-se ao ideal de ―homem socialista‖. Assim, os produtos midiáticos
também contribuem para a edificação de cercas que delimitam, com cada vez mais ênfase, as
desigualdades sociais em Cuba. Balizam a investigação as contribuições teóricas de Pierre Bourdieu
(especialmente os seus conceitos de habitus, capitais e estilo de vida), Stuart Hall
(Encoding/decoding), a teoria das mediações de Martín-Barbero, e a perspectiva sociocultural do
consumo, de Néstor García Canclini. O corpus analisado foram telenovelas já veiculadas em Cuba.
Também foram conduzidos entrevistas em profundidade e um trabalho etnográfico na Ilha ao longo de
nove meses de investigação em campo. Como resultados, identificamos que as telenovelas não
estimulam uma análise crítica em relação ao tema da desigualdade social, são adotadas pelos ilhéus
como forma de lograr um ―distanciamento‖ da sua realidade cotidiana e, especialmente hoje, reforçam
uma mensagem hegemônica neoliberal (essencialmente meritocrática) que se (re)produz em
reflexões e práticas dos agentes na Ilha (como em qualquer outra parte do mundo), a despeito das
singularidades locais, que incluem, entre outras coisas, um suposto alinhamento ao socialismo há
seis décadas e um elevado capital cultural, bastante bem distribuído entre a população. Com relação
à crescente desigualdade (econômica, prioritariamente), facilmente perceptível em Cuba, ela aparece
cada vez mais como ―natural‖ para os ilhotas e pode-se dizer que o sonho de ―futuro‖ de cada um dos
participantes é bastante próximo daquele que ―democraticamente‖ se espalhou pelo mundo: o do
consumo, expresso em demandas por ―mais conforto‖, o que passa por ―mais acesso a bens
materiais e imateriais‖.
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