Comunidade surda da fronteira, experiência compartida
Resumo
No Campo dos Estudos Culturais em Educação, Estudos Surdos, este trabalho de dissertação toma o sujeito surdo na condição da diferença linguística, tendo como referência de relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo, a experiência de ser falante de uma língua de sinais possível através da experiência visual. Busca produzir um afastamento da tradição da Educação Especial e colocar-se na condição de, pelas práticas discursivas pensar a surdez como invenção . Intenta, pela análise de materiais produzidos pelos surdos no Projeto de Extensão Produção de Artefatos da Cultura Surda na Fronteira 2015, dar configuração a constituição de uma Comunidade Surda da Fronteira não representada como unidade, mas em seu movimento singular, num fazer-se compartilhado. É possível pensar nessa comunidade compartida tendo em vista o encontro de surdos fronteiriços, localizados territorialmente na fronteira entre o Brasil e o Uruguai, nas cidades-gêmeas de Santana do Livramento e Rivera. Para tal empreendimento sistematiza-se uma materialidade conjunto de narrativas surdas, dos materiais formados para este trabalho para analisar a partir delas os modos como os surdos enunciam suas identidades culturais para que se constituam nessa Comunidade Surda da Fronteira. Tomo essas narrativas a partir da noção de uma experiência de ser falante de uma língua de sinais possível através da experiência visual compartilhada/compartida que tem produzido modos de vida e vontades de ser surdo na fronteira e de ser surdo em uma comunidade surda. Essa materialidade analisada produz uma rede discursiva de uma comunidade surda que não consegue se dizer brasileira ou uruguaia, uma comunidade surda composta por pessoas com identidades produzidas num contexto de negociação da/na fronteira entre o que é ser surdo em seu país de nascimento e a necessidade de reconhecimento cultural, de pertencimento a algo que é da ordem vivida nos encontros nesta zona de contato . Na análise foi possível identificar cinco aspectos que estão inventando esta comunidade surda: um movimento diaspórico movimentado por uma busca dos surdos pela escolarização, considerando a especificidade da experiência visual como constitutiva do surdo; os espaços e lugares de encontro da comunidade, entre eles as instituições de ensino na fronteira como espaços que proporcionam o encontro e articulação desta comunidade; uma agenda de lutas, sendo as manifestações políticas mobilizadas em conjunto em defesa da língua de sinais e das identidades surdas; um sentimento de pertencimento a comunidade como um discurso de resistência e estranheza em que os surdos se narram fora de um padrão surdo de ser , e, uma última categoria, uma nova constituição que é própria dessa Comunidade Surda da Fronteira, sendo essa, da ordem do acontecimento, produzida no compartilhar e longe do entendimento de consenso, um artefato cultural linguístico , uma língua de sinal compartilhada na fronteira, produzindo neste interstício a diferença.